970. Em que consistem os
sofrimentos dos Espíritos inferiores?
“São tão variados como as
causas que os determinam e proporcionados ao grau de inferioridade, como os gozos
o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: Invejarem o que lhes falta para ser
felizes e não obterem; verem a felicidade e não na poderem alcançar; pesar, ciúme,
raiva, desespero, motivados pelo que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral
indefinível. Desejam todos os gozos e não podem satisfazer: eis o que os tortura.”
971. É sempre boa a
influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros?
“Sempre boa, está claro, da
parte dos bons Espíritos. Os Espíritos perversos, esses procuram desviar da senda do
bem e do arrependimento os que lhes parecem suscetíveis de se deixarem levar e que são,
muitas vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal durante a vida terrena.”
a) - Assim, a morte não
nos livra da tentação?
“Não, mas a ação dos maus
Espíritos é sempre menor sobre os outros Espíritos do que sobre os homens, porque
lhes falta o auxílio das paixões materiais.” (996)
972. Como procedem os
maus Espíritos para tentar os outros Espíritos, não podendo jogar com as
paixões?
“As paixões não existem
materialmente, mas existem no pensamento dos Espíritos atrasados. Os maus dão pasto
a esses pensamentos, conduzindo suas vítimas aos lugares onde se lhes ofereça o
espetáculo daquelas paixões e de tudo o que as possa excitar.”
a) - Mas, de que servem
essas paixões, se já não têm objeto real?
“Nisso precisamente é que
lhes está o suplício: o avarento vê ouro que lhe não é dado possuir; o devasso,
orgias em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de que não
pode gozar.”
973. Quais os sofrimentos
maiores a que os Espíritos maus se vêem sujeitos?
“Não há descrição possível
das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o que as sofre
teria dificuldade em vos dar delas uma idéia. Indubitavelmente, porém, a
mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem remissão.”
Das penas e gozos da alma
após a morte forma o homem idéia mais ou menos elevada, conforme o estado
de sua inteligência. Quanto mais ele se desenvolve, tanto mais essa idéia se apura e se
escoima da matéria; compreende as coisas de um ponto de vista mais racional, deixando de
tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada.
Ensinando-nos que a alma é
um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida, nos diz, por isso mesmo, que ela não pode
ser atingida pelas impressões que apenas sobre a matéria atuam. Não se segue, porém,
daí que esteja isenta de sofrimentos, nem que não receba o castigo de suas faltas.
(237)
As comunicações espíritas
tiveram como resultado, mostrar o estado futuro da alma, não mais em teoria, porém na
realidade. Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao
mesmo tempo, entretanto, no-las mostram como conseqüências perfeitamente lógicas da
vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a imaginação dos homens criou,
não são menos pessoais para os que fizeram mau uso de suas faculdades. Infinita é a
variedade dessas conseqüências. Mas, em tese geral, pode-se dizer: cada um é punido por aquilo
em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do mal que fizeram; outros,
pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida, pelo insulamento, pelas trevas,
pela separação dos entes que lhes são caros, etc.
974. Donde procede a
doutrina do fogo eterno?
“Imagem, semelhante a tantas
outras, tomada como realidade.”
a) - Mas, o temor desse
fogo não produzirá bom resultado?
“Vede se serve de freio,
mesmo entre os que o ensinam. Se ensinardes coisas que mais tarde a razão venha a
repelir, causareis uma impressão que não será duradoura, nem salutar.”
Impotente para, na sua
linguagem, definir a natureza daqueles sofrimentos, o homem não encontrou
comparação mais enérgica do que a do fogo, pois, para ele, o fogo é o tipo do mais cruel
suplício e o símbolo da ação mais violenta. Por isso é que a crença no fogo eterno data da mais
remota antigüidade, tendo-a os povos modernos herdado dos mais antigos. Por isso também é
que o homem diz, em sua linguagem figurada: o fogo das paixões; abrasar de amor, de
ciúme, etc.
975. Os Espíritos
inferiores compreendem a felicidade do justo?
“Sim, e isso lhes é um
suplício, porque compreendem que estão dela privados por sua culpa. Daí resulta que o
Espírito, liberto da matéria, aspira à nova vida corporal, pois que cada existência, se
for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que procede à escolha
das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Porque, ficai sabendo, o Espírito
sofre por todo o mal que praticou, ou
de que foi causa voluntária, por todo o bem que houvera podido fazer e não fez e por
todo o mal que decorra de não haver feito o bem.
“Para o Espírito errante, já
não há véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o
distancia da felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto foi culpado. Não tem mais
ilusões: vê as coisas na sua realidade.”
Na erraticidade, o Espírito
descortina, de um lado, todas as suas existências passadas; de outro, o futuro
que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor que chega ao
cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer, a fim de
chegar ao fim da sua jornada.
976. O espetáculo dos
sofrimentos dos Espíritos inferiores não constitui, para os bons, uma causa de
aflição e, nesse caso, que fica sendo a felicidade deles, se é assim turbada?
“Não constitui motivo de
aflição, pois que sabem que o mal terá fim. Auxiliam os outros a se melhorarem e
lhes estendem as mãos. Essa a ocupação deles, ocupação que lhes proporciona gozo quando são
bem sucedidos.”
a) - Isto se concebe da
parte de Espíritos estranhos ou indiferentes. Mas o espetáculo das tristezas
e dos sofrimentos daqueles a quem amaram na Terra não lhes perturba a felicidade?
“Se não vissem esses
sofrimentos, é que eles vos seriam estranhos depois da morte. Ora, a religião vos diz que
as almas vos vêem. Mas, eles consideram de outro ponto de vista os vossos sofrimentos. Sabem
que estes são úteis ao vosso progresso, se os suportardes com resignação. Afligem-se,
portanto, muito mais com a falta de ânimo que vos retarda, do que com os sofrimentos
considerados em si mesmos, todos passageiros.”
977. Não podendo os
Espíritos ocultar reciprocamente seus pensamentos e sendo conhecidos todos os atos da vida, dever-se-á
deduzir que o culpado está perpetuamente em presença de sua vítima?
“Não pode ser de outro modo,
di-lo o bom-senso.”
a) - Serão um castigo
para o culpado essa divulgação de todos os nossos atos reprováveis e a presença
constante dos que deles foram vítimas?
“Maior do que se pensa, mas
tão-somente até que o culpado tenha expiado suas faltas, quer como Espírito,
quer como homem, em novas existências corpóreas.”
Quando nos achamos no mundo
dos Espíritos, estando patente todo o nosso passado, o bem e o mal que
houvermos feito serão igualmente conhecidos. Em vão, aquele que haja praticado o mal
tentará escapar ao olhar de suas vítimas: a presença inevitável destas lhe será um castigo e
um remorso incessante, até que haja expiado seus erros, ao passo que o homem de bem por
toda parte só encontra olhares amigos e benevolentes. Para o mau, não há maior
tormento, na Terra, do que a presença de suas vítimas, razão pela qual as evita
continuamente. Que será quando, dissipada a ilusão das paixões, compreender o mal que fez,
vir patenteados os seus atos mais secretos, desmascarada a sua hipocrisia e não puder
subtrair-se à visão delas? Enquanto a alma do homem perverso é presa da vergonha, do pesar
e do remorso, a do justo goza perfeita serenidade.
978. A lembrança das
faltas que a alma, quando imperfeita, tenha cometido, não lhe turba a felicidade,
mesmo depois de se haver purificado?
“Não, porque resgatou suas
faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submetera para esse fim.”
979. Não serão, para a
alma, causa de penosa apreensão, que lhe altera a felicidade, as provas por
que ainda tenha de passar para acabar a sua purificação?
“Para a alma ainda maculada,
são. Daí vem que ela não pode gozar de felicidade perfeita, senão quando
esteja completamente pura. Para aquela, porém, que já se elevou, nada tem de penoso o pensar
nas provas que ainda haja de sofrer.”
Goza da felicidade a alma
que chegou a um certo grau de pureza. Domina-a um sentimento de grata
satisfação. Sente-se feliz por tudo o que vê, por tudo o que a cerca.
Levanta-se-lhe o véu que
encobria os mistérios e as maravilhas da Criação e as perfeições divinas em todo o esplendor
lhe aparecem.
980. O laço de simpatia
que une os Espíritos da mesma ordem constitui para eles uma fonte de felicidade?
“Os Espíritos entre os quais
há recíproca simpatia para o bem encontram na sua união um dos maiores gozos,
visto que não receiam vê-la turbada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente
espiritual, famílias pela identidade de sentimentos, consistindo nisto a felicidade espiritual, do
mesmo modo que no vosso mundo vos grupais em categorias e experimentais certo prazer
quando vos achais reunidos. Na afeição pura e sincera que cada um vota aos outros e de que
é por sua vez objeto, têm eles um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos
amigos, nem hipócritas.”
Das primícias dessa
felicidade goza o homem na Terra, quando se lhe deparam almas com as quais pode
confundir-se numa união pura e santa. Em uma vida mais purificada, inefável e
ilimitado será esse gozo, pois aí ele só encontrará almas simpáticas, que o egoísmo não tornará
frias. Porque, em a Natureza, tudo é amor: o egoísmo é que o mata.
981. Com relação ao
estado futuro do Espírito, haverá diferença entre um que, em vida, teme a morte e
outro que a encara com indiferença e mesmo com alegria?
“Muito grande pode ser a
diferença. Entretanto, apaga-se com freqüência em face das causas determinantes
desse temor ou desse desejo. Quer a tema, quer a deseje, pode o homem ser propelido por
sentimentos muito diversos e são estes sentimentos que influem no estado do Espírito. É
evidente, por exemplo, que naquele que deseja a morte, unicamente porque vê nela o termo de
suas tribulações, há uma espécie de queixa contra a Providência e contra as provas que lhe
cumpre suportar.”
982. Será necessário que
professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações espíritas, para termos
assegurada a nossa sorte na vida futura?
“Se assim fosse,
seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não crêem, ou que não tiveram ensejo de
esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre
o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.” (165-799)
A crença no Espiritismo
ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as idéias sobre certos pontos do futuro.
Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta nos inteiremos do
que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo ensina o homem
a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam
retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.
Penas temporais
983. Não experimenta
sofrimentos materiais o Espírito que expia suas faltas em nova existência? Será
então exato dizer-se que, depois da morte, só há para a alma sofrimentos morais?
“É bem verdade que, quando a
alma está reencarnada, as tribulações da vida são-lhe um sofrimento; mas, só o
corpo sofre materialmente. “Falando de alguém que
morreu, costumais dizer que deixou de sofrer. Nem sempre isto exprime a realidade.
Como Espírito, está isento de dores físicas; porém, tais sejam as faltas que tenha cometido,
pode estar sujeito a dores morais mais agudas e pode vir a ser ainda mais desgraçado em
nova existência. O mau rico terá que pedir esmola e se verá a braços com todas as
privações oriundas da miséria; o orgulhoso, com todas as humilhações; o que abusa de sua
autoridade e trata com desprezo e dureza os seus subordinados se verá forçado a obedecer a um
superior mais ríspido do que ele o foi. Todas as penas e tribulações da vida são expiação das
faltas de outra existência, quando não a conseqüência das da vida atual. Logo que daqui
houverdes saído, compreendê-lo-eis. (273, 393 e 399)
“O homem que se considera
feliz na Terra, porque pode satisfazer às suas paixões, é o que menos esforços emprega
para se melhorar. Muitas vezes começa a sua expiação já nessa mesma vida de efêmera
felicidade, mas certamente expiará noutra existência tão material quanto aquela.”
984. As vicissitudes da
vida são sempre a punição das faltas atuais?
“Não; já dissemos: são
provas impostas por Deus, ou que vós mesmos escolhestes como Espíritos, antes de
encarnardes, para expiação das faltas cometidas em outra existência, porque jamais
fica impune a infração das leis de Deus e, sobretudo, da lei de justiça. Se não for punida
nesta existência, sê-lo-á necessariamente noutra. Eis porque um, que vos parece justo, muitas
vezes sofre. É a punição do seu passado.” (393)
985. Constitui recompensa
a reencarnação da alma em um mundo menos grosseiro?
“É a conseqüência de sua
depuração, porquanto, à medida que se vão depurando, os Espíritos passam a encarnar
em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham despojado totalmente da
matéria e lavado de todas as impurezas, para eternamente gozarem da felicidade dos Espíritos
puros, no seio de Deus.”
Nos mundos onde a existência
é menos material do que neste, menos grosseiras são as necessidades e menos
agudos os sofrimentos físicos. Lá, os homens desconhecem as paixões más, que, nos mundos
inferiores, os fazem inimigos uns dos outros. Nenhum motivo tendo de ódio, ou de
ciúme, vivem em paz, porque praticam a lei de justiça, amor e caridade. Não conhecem os
aborrecimentos e cuidados que nascem da inveja, do orgulho e do egoísmo, causas do
tormento da nossa existência terrestre. (172-182)
986. Pode o Espírito, que
progrediu em sua existência terrena, reencarnar alguma vez no mesmo mundo?
“Sim; desde que não tenha
logrado concluir a sua missão, pode ele próprio pedir lhe seja dado completá-la em
nova existência. Mas, então, já não está sujeito a uma expiação.” (173)
987. Que sucede ao homem
que, não fazendo o mal, também nada faz para libertar-se da influência da matéria?
“Pois que nenhum passo dá
para a perfeição, tem que recomeçar uma existência de natureza idêntica à
precedente. Fica estacionário, podendo assim prolongar os sofrimentos da expiação.”
988. Há pessoas cuja vida
se escoa em perfeita calma; que nada precisando fazer por si mesmas, se
conservam isentas de cuidados. Provará essa existência ditosa que elas nada têm que expiar de
existência anterior?
“Conheces muitas dessas
pessoas? Enganas-te, se pensas que as há em grande número. Não raro, a calma é
apenas aparente. Talvez elas tenham escolhido tal existência, mas, quando a deixam,
percebem que não lhes serviu para progredirem. Então, como o preguiçoso, lamentam o tempo
perdido. Sabei que o Espírito não pode adquirir conhecimentos e elevar-se
senão exercendo a sua atividade. Se adormece na indolência, não se adianta. Assemelha-se a
um que (segundo os vossos usos) precisa trabalhar e que vai passear ou deitar-se, com a
intenção de nada fazer. Sabei também que cada um terá que dar contas da inutilidade
voluntária da sua existência, inutilidade sempre fatal à felicidade futura. Para cada um,
o total dessa felicidade futura corresponde à soma do bem que tenha feito, estando o da
infelicidade na proporção do mal que haja praticado e daqueles a quem haja desgraçado.”
989. Pessoas há que, se
bem não sejam positivamente más, tornam infelizes, pelos seus caracteres, todos os
que as cercam. Que conseqüências lhes advirão disso?
“Inquestionavelmente, essas
pessoas não são boas. Expiarão suas faltas, tendo sempre diante da vista
aqueles a quem infelicitaram, valendo-lhes isso por uma exprobração. Depois, noutra
existência, sofrerão o que fizeram sofrer.”
Expiação e arrependimento
990. O arrependimento se
dá no estado corporal ou no estado espiritual?
“No estado espiritual; mas,
também pode ocorrer no estado corporal, quando bem compreendeis a diferença
entre o bem e o mal.’
991. Qual a conseqüência
do arrependimento no estado espiritual?
“Desejar o arrependido uma
nova encarnação para se purificar. O Espírito compreende as imperfeições
que o privam de ser feliz e por isso aspira a uma nova existência em que possa
expiar suas faltas.” (332-975)
992. Que conseqüência
produz o arrependimento no estado corporal?
“Fazer que, já na vida
atual, o Espírito progrida, se tiver tempo de reparar suas faltas. Quando a consciência
o exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode sempre melhorar-se.”
993. Não há homens que só
têm o instinto do mal e são inacessíveis ao arrependimento?
“Já te disse que todo
Espírito tem que progredir incessantemente. Aquele que, nesta vida, só tem o instinto do
mal, terá noutra o do bem e é para isso que renasce muitas vezes, pois preciso é que todos
progridam e atinjam a meta. A diferença está somente em que uns gastam mais tempo do que
outros, porque assim o querem. Aquele, que só tem o instinto do bem, já se purificou, visto
que talvez tenha tido o do mal em anterior existência.” (804)
994. O homem perverso,
que não reconheceu suas faltas durante a vida, sempre as reconhece depois da
morte?
“Sempre as reconhece e,
então, mais sofre, porque sente em si todo o mal que praticou, ou de que
foi voluntariamente causa. Contudo, o arrependimento nem sempre é imediato. Há Espíritos que
se obstinam em permanecer no mau caminho, não obstante os sofrimentos por que passam.
Porém, cedo ou tarde, reconhecerão errada a senda que tomaram e o arrependimento
virá. Para esclarecê-los trabalham os bons Espíritos e também vós podeis trabalhar.”
995. Haverá Espíritos
que, sem serem maus, se conservem indiferentes à sua sorte?
“Há Espíritos que de coisa
alguma útil se ocupam. Estão na expectativa. Mas, nesse caso, sofrem
proporcionalmente. Devendo em tudo haver progresso, neles o progresso se manifesta pela dor.”
a) - Não desejam esses
Espíritos abreviar seus sofrimentos?
“Desejam-no, sem dúvida, mas
falta-lhes energia bastante para quererem o que os pode aliviar. Quantos
indivíduos se contam, entre vós, que preferem morrer de miséria a trabalhar?”
996. Pois que os
Espíritos vêem o mal que lhes resulta de suas imperfeições, como se explica que haja os
que agravam suas situações e prolongam o estado de inferioridade em que se encontram,
fazendo o mal como Espíritos, afastando do bom caminho os homens?
“Assim procedem os de tardio
arrependimento. Pode também acontecer que, depois de se haver arrependido, o
Espírito se deixe arrastar de novo para o caminho do mal, por outros Espíritos ainda mais
atrasados.” (971)
997. Vêem-se Espíritos,
de notória inferioridade, acessíveis aos bons sentimentos e sensíveis às preces que
por eles se fazem. Como se explica que outros Espíritos, que devêramos supor mais
esclarecidos, revelam um endurecimento e um cinismo, dos quais coisa alguma
consegue triunfar?
“A prece só tem efeito sobre
o Espírito que se arrepende. Com relação aos que, impelidos pelo orgulho, se
revoltam contra Deus e persistem nos seus desvarios, chegando mesmo a exagerá-los, como o
fazem alguns desgraçados Espíritos, a prece nada pode e nada poderá, senão no dia em que
um clarão de arrependimento se produza neles.” (664)
Não se deve perder de vista
que o Espírito não se transforma subitamente, após a morte do corpo. Se viveu
vida condenável, é porque era imperfeito. Ora, a morte não o torna imediatamente
perfeito. Pode, pois, persistir em seus erros, em suas falsas opiniões, em seus preconceitos, até
que se haja esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo sofrimento.
998. A expiação se cumpre
no estado corporal ou no estado espiritual?
“A expiação se cumpre
durante a existência corporal, mediante as provas a que o Espírito se acha submetido
e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do
Espírito.”
999. Basta o
arrependimento durante a vida para que as faltas do Espírito se apaguem e ele ache graça
diante de Deus?
“O arrependimento concorre
para a melhoria do Espírito, mas ele tem que expiar o seu passado.”
a) - Se, diante disto, um
criminoso dissesse que, cumprindo-lhe, em todo caso, expiar o seu passado,
nenhuma necessidade tem de se arrepender, que é o que daí lhe resultaria?
“Tornar-se mais longa e mais
penosa a sua expiação, desde que ele se torne obstinado no mal.”
1000. Já desde esta vida
poderemos ir resgatando as nossas faltas?
“Sim, reparando-as. Mas, não
creiais que as resgateis mediante algumas privações pueris, ou distribuindo em
esmolas o que possuirdes, depois que morrerdes, quando de nada mais precisais. Deus não dá
valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de bater no
peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais
faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objetivo exclusivamente
pessoal. (726)
“Só por meio do bem se
repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem no seu
orgulho, nem no seus interesses materiais.
“De que serve, para sua
justificação, que restitua, depois de morrer, os bens mal adquiridos, quando se lhe
tornaram inúteis e deles tirou todo o proveito?
“De que lhe serve privar-se
de alguns gozos fúteis, de algumas superfluidades, se permanece integral o dano
que causou a outrem?
“De que lhe serve,
finalmente, humilhar-se diante de Deus, se, perante os homens, conserva o seu orgulho?”
(720-721)
1001. Nenhum mérito
haverá em assegurarmos, para depois de nossa morte, emprego útil aos bens que
possuímos?
“Nenhum mérito não é o
termo. Isso sempre é melhor do que nada. A desgraça, porém, é que aquele, que só
depois de morto dá, é quase sempre mais egoísta do que generoso. Quer ter o fruto
do bem, sem o trabalho de praticá-lo. Duplo proveito tira aquele que, em vida se priva de
alguma coisa; o mérito do sacrifício e o prazer de ver felizes os que lhe devem a felicidade.
Mas, lá está o egoísmo a dizer-lhe: O que dás tiras aos teus gozos; e, como o egoísmo
fala mais alto do que o desinteresse e a caridade, o homem guarda o que possui,
pretextando suas necessidades pessoais e as exigências da sua posição! Ah! Lastimai aquele que
desconhece o prazer de dar; acha-se verdadeiramente privado de um dos mais puros e suaves
gozos. Submetendo-o à prova da riqueza, tão escorregadia e perigosa para
o seu futuro, houve Deus por bem conceder-lhe, como compensação, a ventura da
generosidade, de já neste mundo pode gozar.” (814)
1002. Que deve fazer
aquele que, em artigo de morte, reconhece suas faltas, quando já não tem tempo de as
reparar? Basta-lhe nesse caso arrepender-se?
“O arrependimento lhe
apressa a reabilitação, mas não o absolve. Diante dele não se desdobra o futuro, que
jamais se lhe tranca?”
Duração das penas futuras
1003. É arbitrária ou
sujeita a uma lei qualquer a duração dos sofrimentos do culpado, na vida futura?
“Deus nunca obra
caprichosamente e tudo, no Universo, se rege por leis, em que a Sua sabedoria e a Sua
bondade se revelam.”
1004. Em que se baseia a
duração dos sofrimentos do culpado?
“No tempo necessário a que
se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcionado ao
grau de purificação do Espírito, a duração e a natureza de seus sofrimentos dependem do
tempo que ele gaste em melhorar-se. À medida que progride e que os sentimentos se lhe
depuram, seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.”
SÃO LUÍS.
1005. Ao Espírito
sofredor, o tempo se afigura tão ou menos longo do que quando estava vivo?
“Parece-lhe mais longo: para
ele não existe o sono. Só para os Espíritos que já chegaram a certo grau de
purificação, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.” (240)
1006. Poderão durar
eternamente os sofrimentos do Espírito?
“Poderiam, se ele pudesse
ser eternamente mau, isto é, se jamais se arrependesse e melhorasse, sofreria
eternamente. Mas, Deus não criou seres tendo por destino permanecerem votados
perpetuamente ao mal. Apenas os criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no
entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo, conforme decorrer da vontade
de cada um. Mais ou menos tardia pode ser a vontade, do mesmo modo que há crianças
mais ou menos precoces, porém, cedo ou tarde, ela aparece, por efeito da irresistível
necessidade que o Espírito sente de sair da inferioridade e de se tornar feliz. Eminentemente
sábia e magnânima é, pois, a lei que rege a duração das penas, porquanto subordina essa
duração aos esforços do Espírito. Jamais o priva do seu livrearbítrio: se deste faz ele mau uso,
sofre as conseqüências.”
SÃO LUÍS.
1007. Haverá Espíritos
que nunca se arrependem?
“Há-os de arrependimento
muito tardio; porém, pretender-se que nunca se melhorarão fora negar a lei
do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem.”
SÃO LUÍS.
1008. Depende sempre da
vontade do Espírito a duração das penas? Algumas não haverá que lhe sejam
impostas por tempo determinado?
"Sim, ao Espírito podem ser
impostas penas por determinado tempo; mas, Deus, que só quer o bem de Suas
criaturas, acolhe sempre o arrependimento e infrutífero jamais fica o desejo que o Espírito
manifeste de se melhorar.”
SÃO LUÍS.
1009. Assim, as penas
impostas jamais o são por toda a eternidade?
“Interrogai o vosso
bom-senso, a vossa razão e perguntai-lhes se uma condenação perpétua, motivada por
alguns momentos de erro, não seria a negação da bondade de Deus. Que é, com efeito, a duração
da vida, ainda quando de cem anos, em face da eternidade? Eternidade! Compreendeis bem
esta palavra? Sofrimentos, torturas sem-fim, sem esperanças, por causa de
algumas faltas! O vosso juízo não repele semelhante idéia? Que os antigos tenham considerado o
Senhor do Universo um Deus terrível, cioso e vingativo, concebe-se. Na ignorância em
que se achavam, atribuíam à divindade as paixões dos homens. Esse, todavia, não é
o Deus dos cristãos, que classifica como virtudes primordiais o amor, a caridade, a
misericórdia, o esquecimento das ofensas. Poderia Ele carecer das qualidades, cuja posse
prescreve, como um dever, às Suas criaturas? Não haverá contradição em se Lhe
atribuir a bondade infinita e a vingança também infinita? Dizeis que, acima de tudo, Ele é justo e
que o homem não Lhe compreende a justiça. Mas, a justiça não exclui a bondade e Ele não
seria bom, se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das suas criaturas. Teria o
direito de fazer da justiça uma obrigação para Seus filhos, se lhes não desse meio de
compreendê-la? Aliás, no fazer que a duração das penas dependa dos esforços do culpado não está
toda a sublimidade da justiça unida à bondade? Aí é que se encontra a verdade desta
sentença: “A cada um segundo as suas obras.”
SANTO AGOSTINHO.
“Aplicai-vos, por todos os
meios ao vosso alcance, em combater, em aniquilar a idéia da eternidade das
penas, idéia blasfematória da justiça e da bondade de Deus, gérmen fecundo da incredulidade, do
materialismo e da indiferença que invadiram as massas humanas, desde que as
inteligências começaram a desenvolver-se. O Espírito, prestes a esclarecer-se, ou mesmo
apenas desbastado, logo lhe apreendeu a monstruosa injustiça. Sua razão a repele e, então,
raro é que não englobe no mesmo repúdio a pena que o revolta
e o Deus a quem a atribui. Daí os males sem conta que hão desabado sobre vós e aos
quais vimos trazer remédio. Tanto mais fácil será a tarefa que vos apontamos, quanto é certo
que todas as autoridades em quem se apóiam os defensores de tal crença evitaram todas
pronunciar-se formalmente a respeito. Nem os concílios, nem os Pais da Igreja resolveram essa
grave questão. Muito embora, segundo os Evangelistas e tomadas ao pé da letra as palavras
emblemáticas do Cristo, ele tenha ameaçado os culpados com um fogo que se não extingue,
com um fogo eterno, absolutamente nada se encontra nas suas palavras capaz de provar que
os haja condenado eternamente.
“Pobres ovelhas desgarradas,
aprendei a ver aproximar-se de vós o bom Pastor, que, longe de vos banir para todo
o sempre de sua presença, vem pessoalmente ao vosso encontro, para vos
reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso voluntário exílio; encaminhai vossos passos
para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso
regresso ao seio da família.”
LAMENNAIS.
“Guerras de palavras!
Guerras de palavras! Ainda não basta o sangue que tendes feito correr! Será ainda
preciso que se reacendam as fogueiras? Discutem sobre palavras: eternidade das penas,
eternidade dos castigos. Ignorais então que o que hoje entendeis por eternidade não é o
que os antigos entendiam e designavam por esse termo? Consulte o teólogo as fontes e lá
descobrirá, como todos vós, que o texto hebreu não atribuía esta significação ao vocábulo que
os gregos, os latinos e os modernos traduziram por penas semfim, irremissíveis.
Eternidade dos castigos corresponde à eternidade do mal. Sim, enquanto existir o mal entre os
homens, os castigos subsistirão. Importa que os textos sagrados se interpretem no sentido
relativo. A eternidade das penas é, pois, relativa e não absoluta. Chegue o dia em que todos os
homens, pelo arrependimento, se revistam
da túnica da inocência e desde esse dia deixará de haver gemidos e ranger de dentes.
Limitada tendes, é certo, a vossa razão humana, porém, tal como a tendes, ela é uma
dádiva de Deus e, com auxílio dessa razão, nenhum homem de boa-fé haverá que de outra
forma compreenda a eternidade dos castigos. Pois que! Fora necessário admitir-se por
eterno o mal. Somente Deus é eterno e não poderia ter criado o mal eterno; do contrário,
forçoso seria tirar-se-Lhe o mais magnífico dos Seus atributos: o soberano poder, porquanto
não é soberanamente poderoso aquele que cria um elemento destruidor de suas obras.
Humanidade! Humanidade! Não mergulhes mais os teus tristes olhares nas profundezas da
Terra, procurando aí os castigos. Chora, espera, expia e refugia-te na idéia de um
Deus intrinsecamente bom, absolutamente poderoso, essencialmente justo.”
PLATÃO.
“Gravitar para a unidade
divina, eis o fim da Humanidade. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a
Justiça, o Amor e a Ciência. Três coisas lhe são opostas e contrárias: a ignorância, o
ódio e a injustiça. Pois bem! Digo-vos, em verdade, que mentis a estes princípios
fundamentais, comprometendo a idéia de Deus, com o Lhe exagerardes a severidade. Duplamente a
comprometeis, deixando que no Espírito da criatura penetre a suposição de que há nela
mais clemência, mais virtude, amor e verdadeira justiça, do que atribuis ao Ser infinito.
Destruís mesmo a idéia do inferno, tornando-o ridículo e inadmissível às vossas
crenças, como o é aos vossos corações o horrendo espetáculo das execuções, das fogueiras e
das torturas da Idade Média! Pois que! Quando banida se acha para sempre das legislações
humanas a era das cegas represálias, é que esperais mantê-la no ideal? Oh! Crede-me,
crede-me, irmãos em Deus e em Jesus-Cristo, crede-me: ou vos resignais a deixar que
pereçam nas vossas mãos todos os vossos dogmas, de preferência a que se modifiquem, ou,
então, vivificai-os, abrindo-os aos benfazejos eflúvios que os
Bons, neste momento, derramam neles. A idéia do inferno, com as suas fornalhas ardentes, com
as suas caldeiras a ferver, pôde ser tolerada, isto é, perdoável num século de ferro; porém,
no século dezenove, não passa de vão fantasma, próprio, quando muito, para
amedrontar criancinhas e em que estas, crescendo um pouco, logo deixam de crer. Se
persistirdes nessa mitologia aterradora, engendrareis a incredulidade, mãe de toda a desorganização
social. Tremo, entrevendo toda uma ordem social abalada e a ruir sobre os seus
fundamentos, por falta de sanção penal. Homens de fé ardente e viva, vanguardeiros do dia da luz,
mãos à obra, não para manter fábulas que envelheceram e se desacreditaram, mas para
reavivar, revivificar a verdadeira sanção penal, sob formas condizentes com os vossos
costumes, os vossos sentimentos e as luzes da vossa época.
“Quem é, com efeito, o
culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso movimento da alma, se afasta
do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados
pelo arquétipo humano, pelo Homem-Deus, por Jesus-Cristo.
“Que é o castigo? A
conseqüência natural, derivada desse falso movimento; uma certa soma de dores
necessária a desgostá-lo da sua deformidade, pela experimentação do sofrimento. O castigo é o
aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de
salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção. Querê-lo eterno, por uma
falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser.
“Oh! Em verdade vos digo,
cessai, cessai de pôr em paralelo, na sua eternidade, o Bem, essência do Criador,
com o Mal, essência da criatura. Fora criar uma penalidade injustificável. Afirmai, ao
contrário, o abrandamento gradual dos castigos e das penas pelas transgressões e consagrareis
a unidade divina, tendo unidos o sentimento e a razão.”
PAULO, apóstolo.
Com o atrativo de
recompensas e temor de castigos, procura-se estimular o homem para o bem e desviá-lo do
mal. Se esses castigos, porém, lhe são apresentados de forma que a sua razão se recuse a
admiti-los, nenhuma influência terão sobre ele. Longe disso, rejeitará tudo: a forma e o
fundo. Se, ao contrário, lhe apresentarem o futuro de maneira lógica, ele não o repelirá.
O Espiritismo lhe dá essa explicação.
A doutrina da eternidade das
penas, em sentido absoluto, faz do Ente Supremo um Deus implacável. Seria
lógico dizer-se, de um soberano, que é muito bom, muito magnânimo, muito indulgente,
que só quer a felicidade dos que o cercam, mas que ao mesmo tempo é cioso,
vingativo, de inflexível rigor e que pune com o castigo extremo as três quartas partes dos seus
súditos, por uma ofensa, ou uma infração de suas leis, mesmo quando praticada pelos que
não as conheciam? Não haveria aí contradição? Ora, pode Deus ser menos bom do que o seria
um homem?
Outra contradição. Pois que
Deus tudo sabe, sabia, ao criar uma alma, se esta viria a falir ou não. Ela, pois,
desde a sua formação, foi destinada à desgraça eterna. Será isto possível, racional? Com a
doutrina das penas relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem dúvida, que ela faliria, mas
lhe deu meios de se instruir pela sua própria experiência, mediante suas próprias
faltas. É necessário, que expie seus erros, para melhor se firmar no bem, mas a porta da
esperança não se lhe fecha para sempre e Deus faz que, dos esforços que ela empregue para o
conseguir, dependa a sua redenção. Isto toda gente pode compreender e a mais
meticulosa lógica pode admitir. Menos cépticos haveria, se deste ponto de vista fossem
apresentadas as penas futuras.
Na linguagem vulgar, a
palavra eterno é muitas vezes empregada figuradamente, para designar uma coisa de
longa duração, cujo termo não se prevê, embora se saiba muito bem que esse termo existe.
Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das altas montanhas, dos pólos, embora saibamos,
de um lado, que o mundo físico pode ter fim e, de outro lado, que o estado dessas regiões
pode mudar pelo deslocamento normal do eixo da Terra, ou por um cataclismo. Assim, neste
caso, o vocábulo - eterno não quer dizer perpétuo ao infinito.
Quando sofremos de uma
enfermidade duradoura, dizemos que o nosso mal é eterno. Que há, pois, de admirar em que
Espíritos que sofrem há anos, há séculos, há milênios mesmo, assim também se exprimam?
Não esqueçamos, principalmente, que, não lhes permitindo a sua inferioridade divisar o
ponto extremo do caminho, crêem que terão de sofrer sempre, o que lhes é uma punição.
Demais, a doutrina do fogo
material, das fornalhas e das torturas, tomadas ao Tártaro do paganismo, está
hoje completamente abandonada pela alta teologia e só nas escolas esses aterradores
quadros alegóricos ainda são apresentados como verdades positivas, por alguns homens
mais zelosos do que instruídos, que assim cometem grave erro, porquanto as
imaginações juvenis, libertando-se dos terrores, poderão ir aumentar o número dos incrédulos. A
Teologia reconhece hoje que a palavra fogo é usada figuradamente e que se deve
entender como significando fogo moral (974). Os que têm acompanhado, como nós, as
peripécias da vida e dos sofrimentos de além-túmulo, através das comunicações espíritas,
hão podido convencer-se de que, por nada terem de material, eles não são menos
pungentes. Mesmo relativamente à duração, alguns teólogos começam a admiti-la no sentido
restritivo acima indicado e pensam que, com efeito, a palavra eterno
se pode referir às penas em si
mesmas, como conseqüência de uma lei imutável, e não à sua aplicação a cada indivíduo.
No dia em que a Religião admitir esta interpretação, assim como algumas outras também
decorrentes do progresso das luzes, muitas ovelhas desgarradas reunirá.
Ressurreição da carne
1010. O dogma da
ressurreição da carne será a consagração da reencarnação ensinada pelos Espíritos?
“Como quereríeis que fosse
de outro modo? Conforme sucede com tantas outras, estas palavras só parecem
despropositadas, no entender de algumas pessoas, porque as tomam ao pé da letra. Levam,
por isso, à incredulidade. Dai-lhes uma interpretação lógica e os que chamais livres
pensadores as admitirão sem dificuldades, precisamente pela razão de que refletem. Porque, não
vos enganeis, esses livres pensadores o que mais pedem e desejam é crer. Têm, como os
outros, ou, talvez, mais que os outros, a sede do futuro, mas não podem admitir o que a
ciência desmente. A doutrina da pluralidade das existências é consentânea com a justiça de
Deus; só ela explica o que, sem ela, é inexplicável.
Como havíeis de pretender que o seu princípio não estivesse na própria religião?”
- Assim, pelo dogma da
ressurreição da carne, a própria Igreja ensina a doutrina da reencarnação?
“É evidente, Demais essa
doutrina decorre de muitas coisas que têm passado despercebidas e que dentro
em pouco se compreenderão neste sentido. Reconhecer-se-á em breve que o Espiritismo
ressalta a cada passo do texto mesmo das Escrituras sagradas. Os Espíritos, portanto, não vêm
subverter a religião, como alguns o pretendem. Vêm, ao contrário, confirmá-la,
sancioná-la por provas irrecusáveis. Como, porém, são chegados os tempos de não mais
empregarem linguagem figurada, eles se exprimem sem alegorias e dão às coisas sentido claro e
preciso, que não possa estar sujeito a qualquer interpretação falsa. Eis por que, daqui a algum
tempo, muito maior será do que é hoje o número de pessoas sinceramente religiosas e
crentes.”
SÃO LUÍS.
Efetivamente, a Ciência
demonstra a impossibilidade da ressurreição, segundo a idéia vulgar. Se os despojos do
corpo humano se conservassem homogêneos, embora dispersos e reduzidos a pó, ainda se
conceberia que pudessem reunir-se em dado momento. As coisas, porém, não se passam assim.
O corpo é formado de elementos diversos: o oxigênio, hidrogênio, azoto, carbono,
etc. Pela decomposição, esses elementos se dispersam, mas para servir à formação de
novos corpos, de tal sorte que uma mesma molécula, de carbono, por exemplo, terá entrado na
composição de muitos milhares de corpos diferentes (falamos unicamente dos corpos
humanos, sem ter em conta os dos animais); que um indivíduo tem talvez em seu corpo
moléculas que já pertenceram a homens das primitivas idades do mundo; que essas mesmas
moléculas orgânicas que absorveis nos alimentos provêm, possivelmente, do corpo de
tal outro indivíduo que conhecestes e assim por diante. Existindo em quantidade
definida a matéria e sendo indefinidas as suas combinações, como poderia cada um daqueles
corpos reconstituir-se com os mesmos elementos? Há aí impossibilidade material.
Racionalmente, pois, não se pode admitir a ressurreição da carne, senão como uma figura
simbólica do fenômeno da reencarnação. E, então, nada mais há que aberre
da razão, que esteja em contradição com os dados da Ciência.
É exato que, segundo o
dogma, essa ressurreição só no fim dos tempos se dará, ao passo que, segundo a
doutrina Espírita, ocorre todos os dias. Mas, nesse quadro do julgamento final, não haverá
uma grande e bela imagem a ocultar, sob o véu da alegoria, uma dessas verdades
imutáveis, em presença das quais deixará de haver cépticos, desde que lhes seja restituída a
verdadeira significação? Dignem-se de meditar a teoria espírita sobre o futuro das almas e sobre a
sorte que lhes cabe, por efeito das diferentes provas que lhes cumpre sofrer, e verão que,
exceção feita da simultaneidade, o juízo que as condena ou absolve não é uma ficção,
como pensam os incrédulos. Notemos mais que aquela teoria é a conseqüência natural da
pluralidade dos mundos, hoje perfeitamente admitida, enquanto que, segundo a doutrina do
juízo final, a Terra passa por ser o único mundo habitado.
Paraíso, inferno e
purgatório
1012. Haverá no Universo
lugares circunscritos para as penas e gozos dos Espíritos segundo seus
merecimentos? (1)
“Já respondemos a esta
pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos.
Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão
por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a
uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos felizes ou
desgraçados, conforme é mais ou menos adiantado o mundo em que habitam.”
- De acordo, então, com o
que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem, tais como o homem os
imagina?
“São simples alegorias: por
toda parte há Espíritos ditosos e inditosos. Entretanto, conforme também há dissemos,
os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde
queiram, quando são perfeitos.”
A localização absoluta das
regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da
sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é
possível compreender.
1013. Que se deve
entender por purgatório?
“Dores físicas e morais: o
tempo da expiação. Quase sempre, na Terra é que fazeis o vosso purgatório e que Deus
vos obriga a expiar as vossas faltas.”
O que o homem chama
purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal, não um lugar
determinado, porém, o estado dos Espíritos imperfeitos que se acham em expiação até
alcançarem a purificação completa, que os levará à categoria dos Espíritos bem-aventurados.
Operando-se essa purificação por meio das diversas encarnações, o purgatório
consiste nas provas da vida corporal.
1014. Como se explica que
Espíritos, cuja superioridade se revela na linguagem de que usam, tenham
respondido a pessoas muito sérias, a respeito do inferno e do purgatório, de
conformidade com as idéias correntes?
“É que falam uma linguagem
que possa ser compreendida pelas pessoas que os interrogam. Quando estas se
mostram imbuídas de certas idéias, eles evitam chocá-las muito bruscamente, a fim de
lhes não ferir as convicções. Se um Espírito dissesse a um muçulmano, sem precauções
oratórias, que Maomet não foi profeta, seria muito mal acolhido.”
- Concebe-se que assim
procedam os Espíritos que nos querem instruir. Como, porém, se explica que,
interrogados acerca da situação em que se achavam, alguns Espíritos tenham
respondido que sofriam as torturas do inferno ou do purgatório?
“Quando são inferiores e
ainda não completamente desmaterializados, os Espíritos conservam uma parte de suas
idéias terrenas e, para dar suas impressões, se servem dos termos que lhes são
familiares. Acham-se num meio que só imperfeitamente lhes permite sondar o
futuro. Essa a causa de alguns
Espíritos errantes, ou recém-desencarnados, falarem como o fariam se estivessem
encarnados. Inferno pode traduzir por uma vida de provações, extremamente dolorosa, com a
incerteza de haver outra melhor; purgatório, por uma vida também de provações, mas com
a consciência de melhor futuro. Quando experimentas uma grande dor, não costumas
dizer que sofres como um danado? Tudo isso são apenas palavras e sempre ditas em sentido
figurado.”
1015. Que se deve
entender por - uma alma a penar?
“Uma alma errante e
sofredora, incerta de seu futuro e à qual podeis proporcionar o alívio, que muitas vezes
solicita, vindo comunicar-se convosco.” (664)
1016. Em que sentido se
deve entender a palavra céu?
“Julgas que seja um lugar,
como os campos Elíseos dos antigos, onde todos os bons Espíritos estão
promiscuamente aglomerados, sem outra preocupação que a de gozar, pela eternidade toda, de uma
felicidade passiva? Não; é o espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os mundos
superiores, onde os Espíritos gozam plenamente de suas faculdades, sem as
tribulações da vida material, nem as angústias peculiares à inferioridade.”
1017. Alguns Espíritos
disseram estar habitando o quarto, o quinto céus, etc. Que querem dizer com isso?
“Perguntando-lhes que céu
habitam, é que formais idéia de muitos céus dispostos como os andares de uma casa.
Eles, então, respondem de acordo com a vossa linguagem. Mas, por estas palavras -
quarto e quinto céus - exprimem diferentes graus de purificação e, por conseguinte, de
felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um Espírito se está no inferno. Se for
desgraçado, dirá - sim, porque, para ele, inferno é sinônimo de sofrimento. Sabe, porém,
muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria estar no Tártaro.”
O mesmo ocorre com outras
expressões análogas, tais como: cidade das flores, cidade dos eleitos,
primeira, segunda ou terceira esfera, etc., que apenas são alegorias usadas por alguns Espíritos,
quer como figuras, quer, algumas vezes, por ignorância da realidade das coisas, e até
das mais simples noções científicas.
De acordo com a idéia
restrita que se fazia outrora dos lugares das penas e das recompensas e, sobretudo, de
acordo com a opinião de que a Terra era o centro do Universo, de que o
firmamento formava uma abóbada e que havia uma região das estrelas, o céu era situado no alto
e o inferno em baixo. Daí as expressões: subir ao céu, estar no mais alto dos céus, ser
precipitado nos infernos. Hoje, que a Ciência demonstrou ser a Terra apenas, entre tantos milhões
de outros, uns dos menores mundos, sem importância especial; que traçou a história da sua
formação e lhe descreveu a constituição; que provou ser infinito o espaço, não haver alto nem
baixo no Universo, teve-se que renunciar a situar o céu acima das nuvens e o inferno nos
lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe fora designado. Estava reservado
ao Espiritismo dar de tudo isso a explicação mais racional, mais grandiosa e, ao mesmo
tempo, mais consoladora para a humanidade. Pode-se assim dizer que trazemos em nós
mesmos o nosso inferno e o nosso paraíso. O purgatório, achamo-lo na encarnação, nas
vidas corporais ou físicas.
1018. Em que sentido se
devem entender estas palavras do Cristo: Meu reino não é deste mundo?
“Respondendo assim, o Cristo
falava em sentido figurado. Queria dizer que o seu reinado se exerce unicamente
sobre os corações puros e desinteressados. Ele está onde quer que domine o amor do bem.
Ávidos, porém, das coisas deste mundo e apegados aos bens da Terra, os homens com ele não
estão.”
1019. Poderá jamais
implantar-se na Terra o reinado do bem?
“O bem reinará na Terra
quando, entre os Espíritos que a vêm habitar, os bons predominarem, porque, então, farão que aí reinem o amor e
a justiça, fonte do bem e da felicidade. Por meio do progresso moral e praticando as leis
de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e dela afastará os maus.
Estes, porém, não a deixarão, senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo.
“Predita foi a transformação
da Humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará, momento cuja
chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa transformação se verificará
por meio da encarnação de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração nova.
Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem
deter a marcha das coisas serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os
homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados,
desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo
que trabalharão pelo de seus irmãos mais atrasados. Neste banimento de Espíritos da
Terra transformada, não percebeis a sublime alegoria do Paraíso perdido e, na vinda
do homem para a Terra em semelhantes condições, trazendo em si o gérmen de suas paixões e os
vestígios da sua inferioridade primitiva, não descobris a não menos sublime alegoria do
pecado original? Considerado deste ponto de vista, o pecado original se prende à
natureza ainda imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si mesmo, pelas suas próprias
faltas e não pelas de seus pais.
“Todos vós, homens de fé e
de boa-vontade, trabalhai, portanto, com ânimo e zelo na grande obra da
regeneração, que colhereis pelo cêntuplo o grão que houverdes semeado. Ai dos que fecham os olhos à
luz! Preparam para si mesmos longos séculos de trevas e decepções. Ai dos que fazem
dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão que sofrer privações muito
mais numerosas do que os gozos de que desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não
acharão quem os ajude a carregar o fardo de suas misérias.”
SÃO LUÍS.
NOTA: (1) Vide Nota Especial
n° 2, da Editora (FEB), à pág. 494.