O LIVRO DOS ESPÍRITOS - QUESTÕES 01 A 1.019

Conhecimento de si mesmo

 

919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?

“Um sábio da antigüidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”

a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?

“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”

“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.

“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais noutrem, não na poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.

“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a idéia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”

SANTO AGOSTINHO.

 

Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos.

A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.

 

PARTE QUARTA

Das esperanças e consolações

 

CAPÍTULO I

DAS PENAS E GOZOS TERRESTRES

 

1. Felicidade e infelicidade relativas. - 2. Perda de entes queridos. - 3. Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas. -

4. Uniões antipáticas. - 5. Temor da morte. - 6. Desgosto da vida. Suicídio.

 

Felicidade e infelicidade relativas

 

920. Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra?

“Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.”

 

921. Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a Humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso se não verifica, poderá conseguir uma felicidade relativa?

“O homem é quase sempre o obreiro da sua própria infelicidade. Praticando a lei de Deus, a muitos males se forrará e proporcionará a si mesmo felicidade tão grande quanto o comporte a sua existência grosseira.”

Aquele que se acha bem compenetrado de seu destino futuro não vê na vida corporal mais do que uma estação temporária, uma como parada momentânea em péssima hospedaria. Facilmente se consola de alguns aborrecimentos passageiros de uma viagem que o levará a tanto melhor posição, quanto melhor tenha cuidado dos preparativos para empreendê-la.

Já nesta vida somos punidos pela infrações, que cometemos, das leis que regem a existência corpórea, sofrendo os males conseqüentes dessas mesmas infrações e dos nossos próprios excessos. Se, gradativamente, remontarmos à origem do que chamamos as nossas desgraças terrenas, veremos que, na maioria dos casos, elas são a conseqüência de um primeiro afastamento nosso do caminho reto. Desviando-nos deste, enveredamos por outro, mau, e, de conseqüência em conseqüência, caímos na desgraça.

 

922. A felicidade terrestre é relativa à posição de cada um. O que basta para a felicidade de um, constitui a desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de felicidade comum a todos os homens?

“Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à vida moral, a consciência tranqüila e a fé no futuro.”

 

923. O que para um é supérfluo não representará para outro, o necessário, e reciprocamente, de acordo com as posições respectivas?

“Sim, conformemente às vossas idéias materiais, aos vossos preconceitos, à vossa ambição e às vossas ridículas extravagâncias, a que o futuro fará justiça, quando compreenderdes a verdade. Não há dúvida de que aquele que tinha cinqüenta mil libras de renda, vendo-se reduzido a só ter dez mil, se considera muito desgraçado, por não mais poder fazer a mesma figura, conservar o que chama a sua posição, ter cavalos, lacaios, satisfazer a todas as paixões, etc. Acredita que lhe falta o necessário. Mas, francamente, achas que seja digno de lástima, quando ao seu lado muitos há, morrendo de fome e frio, sem um abrigo onde repousem a cabeça? O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha sempre para baixo e não para cima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.” (715)

 

924. Há males que independem da maneira de proceder do homem e que atingem mesmo os mais justos. Nenhum meio terá ele de os evitar?

“Deve resignar-se e sofrê-los sem murmurar, se quer progredir. Sempre, porém, lhe é dado haurir consolação na própria consciência, que lhe proporciona a esperança de melhor futuro, se fizer o que é preciso para obtê-lo.”

 

925. Por que favorece Deus, com os dons da riqueza, a certos homens que não parecem tê-las merecido?

“Isso significa um favor aos olhos dos que apenas vêem o presente. Mas, ficai sabendo, a riqueza é, de ordinário, a prova mais perigosa do que a miséria.” (814 e seguintes)

 

926. Criando novas necessidades, a civilização não constitui uma fonte de novas aflições?

“Os males deste mundo estão na razão das necessidades factícias que vos criais. A muitos desenganos se poupa nesta vida aquele que sabe restringir seus desejos e olha sem inveja para o que esteja acima de si. O que menos necessidades tem, esse o mais rico. “Invejais os gozos dos que vos parecem os felizes do mundo. Sabeis, porventura, o que lhes está reservado? Se os seus gozos são todos pessoais, pertencem eles ao número dos egoístas: o reverso então virá. Deveis, de preferência, lastimá-los. Deus algumas vezes permite que o mau prospere, mas a sua felicidade não é de causar inveja, porque com lágrimas amargas a pagará. Quando um justo é infeliz, isso representa uma prova que lhe será levada em conta, se a suportar com coragem. Lembrai-vos destas palavras de Jesus: Bem-aventurados os que sofrem, pois que serão consolados.”

 

927. Não há dúvida que, à felicidade, o supérfluo não é forçosamente indispensável, porém o mesmo não se dá com o necessário. Ora, não será real a infelicidade daqueles a quem falta o necessário?

“Verdadeiramente infeliz o homem só o é quando sofre a falta do necessário à vida e à saúde do corpo. Todavia, pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então, só tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que lhe houver dado causa.”

 

928. Evidentemente, por meio da especialidade das aptidões naturais, Deus indica a nossa vocação neste mundo. Muitos dos nossos males não advirão de não seguirmos essa vocação?

“Assim é, de fato, e muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza, desviam seus filhos da senda que a Natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade, por efeito desse desvio. Responderão por ele.”

a) - Acharíeis então justo que o filho de um homem altamente colocado na sociedade fabricasse tamancos, por exemplo, desde que para isso tivesse aptidão?

“Cumpre não cair no absurdo, nem exagerar coisa alguma: a civilização tem suas exigências. Por que haveria de fabricar tamancos o filho de um homem altamente colocado, como dizes, se pode fazer outra coisa? Poderá sempre tornar-se útil na medida de suas faculdades, desde que não as aplique às avessas. Assim, por exemplo, em vez de mau advogado, talvez desse bom mecânico, etc.”

No afastarem-se os homens da sua esfera intelectual reside indubitavelmente uma das mais freqüentes causas de decepção. A inaptidão para a carreira abraçada constitui fonte inesgotável de reveses. Depois, o amor-próprio, sobrevindo a tudo isso, impede que o que fracassou recorra a uma profissão mais humilde e lhe mostra o suicídio como remédio para escapar ao que se lhe afigura humilhação. Se uma educação moral o houvesse colocado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais se teria deixado apanhar desprevenido.

 

929. Pessoas há, que, baldas de todos os recursos, embora no seu derredor reine a abundância, só têm diante de si a perspectiva da morte. Que partido devem tomar? Devem deixar-se morrer de fome?

“Nunca ninguém deve ter a idéia de deixar-se morrer de fome. O homem acharia sempre meio de se alimentar, se o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o trabalho. Costuma-se dizer: “Não há ofício desprezível; o seu estado não é o que desonra o homem.” Isso, porém, cada um diz para os outros e não para si.”

 

930. É evidente que, se não fossem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa o homem dominar, ele sempre acharia um trabalho qualquer, que lhe proporcionasse meio de viver, embora deslocando-se da sua posição. Mas, entre os que não têm preconceitos ou os põem de lado, não há pessoas que se vêem na impossibilidade de prover às suas necessidades, em conseqüência de moléstias ou outras causas independentes da vontade delas?

“Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome.”

Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua pode faltar o necessário. Porém, suas próprias faltas são freqüentemente resultado do meio onde se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e ele próprio também será melhor.” (793)

 

931. Por que são mais numerosas, na sociedade, as classes sofredoras do que as felizes?

“Nenhuma é perfeitamente feliz e o que julgais ser a felicidade muitas vezes oculta pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao teu pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas, por ser a Terra lugar de expiação. Quando a houver transformado em morada do bem e de Espíritos bons, o homem deixará de ser infeliz aí e ela lhe será o paraíso terrestre.”

 

932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?

“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.”

 

933. Assim como, quase sempre, é o homem o causador de seus sofrimentos materiais, também o será de seus sofrimentos morais?

“Mais ainda, porque os sofrimentos materiais algumas vezes independem da vontade; mas, o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões, numa palavra, são torturas da alma.

“A inveja e o ciúme! Felizes os que desconhecem estes dois vermes roedores! Para aquele que a inveja e o ciúme atacam, não há calma, nem repouso possíveis. À sua frente, como fantasmas que lhe não dão tréguas e o perseguem até durante o sono, se levantam os objetos de sua cobiça, do seu ódio, do seu despeito. O invejoso e o ciumento vivem ardendo em contínua febre. Será essa uma situação desejável e não compreendeis que, com as suas paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários, tornando-se-lhe a Terra verdadeiro inferno?”

Muitas expressões pintam energicamente o efeito de certas paixões. Diz-se: ímpar de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, não comer nem beber de ciúmes, etc. Este quadro é sumamente real. Acontece até não ter o ciúme objeto determinado. Há pessoas ciumentas, por natureza, de tudo o que se eleva, de tudo o que sai da craveira vulgar, embora nenhum interesse direto tenham, mas unicamente porque não podem conseguir outro tanto. Ofusca-as tudo o que lhes parece estar acima do horizonte e, se constituíssem maioria na sociedade, trabalhariam para reduzir tudo ao nível em que se acham. É o ciúme aliado à mediocridade.

De ordinário, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo. Fazem-lhe a infelicidade a vaidade, a ambição e a cobiça desiludidas. Se se colocar fora do círculo acanhado da vida material, se elevar seus pensamentos para o infinito, que é seu destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da Humanidade, como o são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo, que resumia a sua felicidade suprema.

Aquele que só vê felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é infeliz, desde que não os pode satisfazer, ao passo que aquele que nada pede ao supérfluo é feliz com os que outros consideram calamidades.

Referimo-nos ao homem civilizado, porquanto, o selvagem, sendo mais limitadas as suas necessidades, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias. Diversa é a sua maneira de ver as coisas. Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e a analisa. Por isso é que esta o fere. Mas, também, lhe é facultado raciocinar sobre os meios de obter consolação e de analisá-los. Essa consolação ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de melhor futuro, e no Espiritismo que lhe dá a certeza desse futuro.

 

Perdas dos entes queridos

 

934. A perda dos entes que nos são caros não constitui para nós legítima causa de dor, tanto mais legítima quanto é irreparável e independente da nossa vontade?

“Essa causa de dor atinge assim o rico, como o pobre: representa uma prova, ou expiação, e comum é a lei. Tendes, porém, uma consolação em poderdes comunicar-vos com os vossos amigos pelos meios que vos estão ao alcance, enquanto não dispondes de outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.”

 

935. Que se deve pensar da opinião dos que consideram profanação as comunicações com o além-túmulo?

“Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação seja praticada respeitosa e convenientemente. A prova de que assim é tendes no fato de que os Espíritos que vos consagram afeição acodem com prazer ao vosso chamado. Sentem-se felizes por vos lembrardes deles e por se comunicarem convosco. Haveria profanação, se isso fosse feito levianamente.”

A possibilidade de nos pormos em comunicação com os Espíritos é uma dulcíssima consolação, pois que nos proporciona meio de conversarmos com os nossos parentes e amigos, que deixaram antes de nós a Terra. Pela evocação, aproximamo-los de nós, eles vêm colocar-se ao nosso lado, nos ouvem e respondem. Cessa assim, por bem dizer, toda separação entre eles e nós. Auxiliam-nos com seus conselhos, testemunham-nos o afeto que nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles. Para nós, grande satisfação é sabê-los ditosos, informar-nos, por seu intermédio, dos pormenores da nova existência a que passaram e adquirir a certeza de que um dia nos iremos a eles juntar.

 

936. Como é que as dores inconsoláveis dos que sobrevivem se refletem nos Espíritos que as causam?

“O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra; mas, uma dor incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque, nessa dor excessiva, ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com estes.”

Estando o Espírito mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz. Figuremos dois amigos que se achem metidos na mesma prisão. Ambos alcançarão um dia a liberdade, mas um a obtém antes do outro. Seria caridoso que o que continuou preso se entristecesse porque o seu amigo foi libertado primeiro? Não haveria, de sua parte, mais egoísmo do que afeição em querer que do seu cativeiro e do seu sofrer partilhasse o outro por igual tempo? O mesmo se dá com dois seres que se amam na Terra. O que parte primeiro é o que primeiro se liberta e só nos cabe felicitá-lo, aguardando com paciência o momento em que a nosso turno também o seremos.

Façamos ainda, a este propósito, outra comparação. Tendes um amigo que, junto de vós, se encontra em penosíssima situação. Sua saúde ou seus interesses exigem que vá para outro país, onde estará melhor a todos os respeitos. Deixará temporariamente de se achar ao vosso lado, mas com ele vos correspondereis sempre: a separação será apenas material.

Desgostar-vos-ia o seu afastamento, embora para o bem dele? Pelas provas patentes, que ministra, da vida futura, da presença, em torno de nós, daqueles a quem amamos, da continuidade da afeição e da solicitude que nos dispensavam; pelas relações que nos faculta manter com eles, a Doutrina Espírita nos oferece suprema consolação, por ocasião de uma das mais legítimas dores. Com o Espiritismo, não mais solidão, não mais abandono: o homem, por muito insulado que esteja, tem sempre perto de si amigos com quem pode comunicar-se.

Impacientemente suportamos as tribulações da vida. Tão intoleráveis nos parecem, que não compreendemos possamos sofrê-las. Entretanto, se as tivermos suportado corajosamente, se soubermos impor silêncio às nossas murmurações, felicitar-nos-emos, quando fora desta prisão terrena, como o doente que sofre se felicita, quando curado, por se haver submetido a um tratamento doloroso.

 

Decepções. Ingratidão. Afeições destruídas

 

937. Para o homem de coração, as decepções oriundas da ingratidão e da fragilidade dos laços da amizade não são também uma fonte de amarguras?

“São; porém, deveis lastimar os ingratos e os infiéis: serão muito mais infelizes do que vós. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta topará mais tarde com corações insensíveis, como o seu próprio o foi. Lembrai-vos de todos os que hão feito mais bem do que vós, que valeram muito mais do que vós e que tiveram por paga a ingratidão. Lembraivos de que o próprio Jesus foi, quando no mundo, injuriado e menosprezado, tratado de velhaco. Seja o bem que houverdes feito a vossa recompensa na Terra e não atenteis no que dizem os que hão recebido os vossos benefícios. A ingratidão é uma prova para a vossa perseverança na prática do bem; ser-vos-á levada em conta e os que vos forem ingratos serão tanto mais punidos, quanto maior lhes tenha sido a ingratidão.”

 

938. As decepções oriundas da ingratidão não serão de molde a endurecer o coração e a fechá-lo à sensibilidade?

“Fora um erro, porquanto o homem de coração, como dizes, se sente sempre feliz pelo bem que faz. Sabe que, se esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra e que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua ingratidão.”

a) - Mas, isso não impede que se lhe ulcere o coração. Ora, daí não poderá nascer-lhe a idéia de que seria mais feliz, se fosse menos sensível?

“Pode, se preferir a felicidade do egoísta. Triste felicidade essa! Saiba, pois, que os amigos ingratos que os abandonam não são dignos de sua amizade e que se enganou a respeito deles. Assim sendo, não há de que lamentar o tê-los perdido. Mais tarde achará outros, que saberão compreendê-lo melhor. Lastimai os que usam para convosco de um procedimento que não tenhais merecido, pois bem triste se lhes apresentará o reverso da medalha. Não vos aflijais, porém, com isso: será o meio de vos colocardes acima deles.”

A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o seu simpatizem. Dá-lhe ela, assim, as primícias da felicidade que o aguarda no mundo dos Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.

 

Uniões antipáticas

 

939. Uma vez que os Espíritos simpáticos são induzidos a unir-se, como é que, entre os encarnados, freqüentemente só de um lado há afeição e que o mais sincero amor se vê acolhido com indiferença e, até, com repulsão? Como é, além disso, que a mais viva afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo em ódio?

“Não compreendes então que isso constitui uma punição, se bem que passageira? Depois, quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam pelas aparências, e que, obrigados a viver com as pessoas amadas, não tardam a reconhecer que só experimentaram um encantamento material! Não basta uma pessoa estar enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que poderá apreciá-la. Tanto assim que, em muitas uniões, que a princípio parecem destinadas a nunca ser simpáticas, acabam os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e de bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre não se esqueça de que é o Espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade.

“Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com freqüência tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.”

 

940. Não constitui igualmente fonte de dissabores, tanto mais amargos quanto envenenam toda a existência, a falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos?

“Amaríssimos, com efeito. Essa, porém, é uma das infelicidades de que sois, as mais das vezes, a causa principal. Em primeiro lugar, o erro é das vossas leis. Julgas, porventura, que Deus te constranja a permanecer junto dos que te desagradam? Depois, nessas uniões, ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do que a ventura de uma afeição mútua. Sofreis então as conseqüências dos vossos prejuízos.”

a) - Mas, nesse caso, não há quase sempre uma vítima inocente?

“Há e para ela é uma dura expiação. Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá sobre os que lhe tiverem sido os causadores. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a alma, em sua fé no futuro haurirá consolação. Todavia, à medida que os preconceitos se enfraquecerem, as causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.”

 

Temor da morte

 

941. Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade, Donde lhes vêm esse temor, tendo elas diante de si o futuro?

“Falece-lhes fundamento para semelhante temor. Mas, que queres! Se procuram persuadi-las, quando crianças, de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que está na Natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum juízo têm, não podem admitir tal coisa e se fazem atéias, ou materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida presente, nada mais há. Quanto aos que persistiram nas suas crenças da infância, esses temem aquele fogo eterno que os queimará sem os consumir.

“Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com a fé, tem ele a certeza do futuro. A esperança fá-lo contar com uma vida melhor; e a caridade, a cuja lei obedece, lhe dá a segurança de que, no mundo para onde terá de ir, nenhum ser encontrará cujo olhar lhe seja de temer.” (730)

O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual tem, na Terra, penas e gozos materiais. Sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus desejos. Sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, se conserva numa ansiedade e numa tortura perpétuas. A morte o assusta, porque ele duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.

O homem moral, que se colocou acima das necessidades factícias criadas pelas paixões, já neste mundo experimenta gozos que o homem material desconhece. A moderação de seus desejos lhe dá ao Espírito calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz, não há para ele decepções e as contrariedades lhe deslizam por sobre a alma, sem nenhuma impressão dolorosa deixarem.

 

942. Pessoas não haverá que achem um tanto banais esses conselhos para ser-se feliz na Terra; que neles vejam o que chamam lugares comuns, cediças verdades; e que digam, que, afinal, o segredo para ser-se feliz consiste em saber cada um suportar a sua desgraça?

“Há as que isso dizem e em grande número. Mas, muitas se parecem com certos doentes a quem o médico prescreve a dieta; desejariam curar-se sem remédios e continuando a apanhar indigestões.”

 

Desgosto da vida. Suicídio

 

943. Donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos?

“Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.

“Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e mais durável que o espera.”

 

944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida?

“Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário importa numa transgressão desta lei.”

a) - Não é sempre voluntário o suicídio?

“O louco que se mata não sabe o que faz.”

 

945. Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o desgosto da vida?

“Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes teria sido tão pesada.”

 

946. E do suicídio cujo fim é fugir, aquele que o comete, às misérias e às decepções deste mundo?

“Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de energia e de coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso, ou fortuna! O acaso, ou a fortuna, para me servir da linguagem deles, podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde, cruelmente, a vacuidade dessas palavras.”

a) - Os que hajam conduzido o desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as conseqüências de tal proceder?

“Oh! Esses, ai deles! Responderão como por um assassínio.”

 

947. Pode ser considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de fome?

“É um suicídio, mas os que lhe foram causa, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Todavia, não penseis que seja totalmente absolvido, se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua inteligência para sair do atoleiro. Ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho. Quero dizer: se for quais homens em quem o orgulho anula os recursos da inteligência, que corariam de dever a existência ao trabalho de suas mãos e que preferem morrer de fome a renunciar ao que chamam sua posição social! Não haverá mil vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta, que só tem boa-vontade para com aqueles a quem nada falta e que vos volta as costas assim precisais dele? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é estultícia, porquanto ele a isso nenhum apreço dá.”

 

948. É tão reprovável, como o que tem por causa o desespero, o suicídio daquele que procura escapar à vergonha de uma ação má?

“O suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso ter-se a de lhe sofrer as conseqüências. Deus, que julga, pode, conforme a causa, abrandar os rigores de Sua justiça.”

 

949. Será desculpável o suicídio, quando tenha por fim obstar a que a vergonha caia sobre os filhos, ou sobre a família?

“O que assim procede não faz bem. Mas, como pensa que o faz, Deus lhe leva isso em conta, pois que é uma expiação que ele se impõe a si mesmo. A intenção lhe atenua a falta; entretanto, nem por isso deixa de haver falta. Demais; eliminai da vossa sociedade os abusos e os preconceitos e deixará de haver desses suicídios.”

Aquele que tira de si mesmo a vida, para fugir à vergonha de uma ação má, prova que dá mais apreço à estima dos homens do que à de Deus, visto que volta para a vida espiritual carregado de suas iniqüidades, tendo-se privado dos meios de repará-los durante a vida corpórea. Deus, geralmente, é menos inexorável do que os homens. Perdoa aos que sinceramente se arrependem e atende à reparação. O suicídio nada repara.

 

950. Que pensar daquele que se mata, na esperança de chegar mais depressa a uma vida melhor?

“Outra loucura! Que faça o bem e mais cedo estará de lá chegar, pois, matando-se, retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir lhe seja permitido voltar, para concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma idéia falsa. Uma falta, seja qual for, jamais abre a ninguém o santuário dos eleitos.”

 

951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes?

“Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas, Deus se opõe a todo sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado, se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro, quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”

Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque resulta da prática da lei de caridade.

Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: cumpre um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte.

 

952. Comete suicídio o homem que perece vítima de paixões que ele sabia lhe haviam de apressar o fim, porém a que já não podia resistir, por havê-las o hábito mudado em verdadeiras necessidades físicas?

“É um suicídio moral. Não percebeis que, nesse caso, o homem é duplamente culpado? Há nele então falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus.”

a) - Será mais, ou menos, culpado do que o que tira a si mesmo a vida por desespero?

“É mais culpado, porque tem tempo de refletir sobre o seu suicídio. Naquele que o faz instantaneamente, há, muitas vezes, uma espécie de desvairamento, que alguma coisa tem da loucura. O outro será muito mais punido, por isso que as penas são proporcionadas sempre à consciência que o culpado tem das faltas que comete.”

 

953. Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte?

“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?”

a) - Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja condenável; mas, estamos figurando o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada de alguns instantes.

“É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.”

b) - Quais, nesse caso, as conseqüências de tal ato?

“Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.”

 

954. Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade?

“Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática do mal.”

 

955. Podem ser consideradas suicidas e sofrem as conseqüências de um suicídio as mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre os corpos dos maridos?

“Obedecem a um preconceito e, muitas vezes, mais à força do que por vontade. Julgam cumprir um dever e esse não é o caráter do suicídio. Encontram desculpa na nulidade moral que as caracteriza, em a sua maioria, e na ignorância em que se acham. Esses usos bárbaros e estúpidos desaparecem com o advento da civilização.”

 

956. Alcançam o fim objetivado aqueles que, não podendo conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras, se matam na esperança de ir juntar-se-lhes?

“Muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Em vez de se reunirem ao que era objeto de suas afeições, dele se afastam por longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um ato de covardia e o insulto que Lhe fazem com o duvidarem da Sua providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram abreviar e não terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam.” (934 e seguintes)

 

957. Quais, em geral, com relação ao estado do Espírito, as conseqüências do suicídio?

“Muito diversas são as conseqüências do suicídio. Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma conseqüência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”

A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos. Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a conseqüência da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao passo que, no caso de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e muitas vezes se desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As conseqüências deste estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se à ilusão em que, durante mais ou menos tempo, o Espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos vivos. (155 e 165)

A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz nalguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que, assim, a seu mau grado, sente os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror, estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção. Não é geral este efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das conseqüências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu. Assim é que certos Espíritos, que foram muito desgraçados na Terra, disseram ter-se suicidado na existência precedente e submetido voluntariamente a novas provas, para tentarem suportá-las com mais resignação. Em alguns, verifica-se uma espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar-se, a fim de voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interdito. A maior parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram.

A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da Natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que não é livre o homem de por termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta, somente por constituir infração de uma lei moral, consideração de pouco peso para certos indivíduos, mas também um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas.

 

CAPÍTULO II

DAS PENAS E GOZOS FUTUROS

 

1. Nada. Vida futura. - 2. Intuição das penas e gozos futuros. - 3. Intervenção de Deus nas penas e recompensas. - 4. Natureza das penas e gozos futuros. - 5. Penas temporais. - 6. Expiação e arrependimento. - 7. Duração das penas futuras. - 8. Paraíso, inferno e purgatório.

 

O Nada. Vida futura

 

958. Por que tem o homem, instintivamente, horror ao nada?

“Porque o nada não existe.”

 

959. Donde nasce, para o homem, o sentimento instintivo da vida futura?

“Já temos dito: antes de encarnar, o Espírito conhecia todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança do que sabe e do que viu no estado espiritual.” (393)

Em todos os tempos, o homem se preocupou com o seu futuro para lá do túmulo e isso é muito natural. Qualquer que seja a importância que ligue à vida presente, não pode ele furtar-se a considerar quanto essa vida é curta e, sobretudo, precária, pois que a cada instante está sujeita a interromper-se, nenhuma certeza lhe sendo permitida acerca do dia seguinte. Que será dele, após o instante fatal? Questão grave esta, porquanto não se trata de alguns anos apenas, mas da eternidade. Aquele que tem de passar longo tempo, em país estrangeiro, se preocupa com a situação em que lá se achará. Como, então, não nos havia de preocupar a em que nos veremos, deixando este mundo, uma vez que é para sempre?

A idéia do nada tem qualquer coisa que repugna à razão. O homem que mais despreocupado seja durante a vida, em chegando o momento supremo, pergunta a si mesmo o que vai ser dele e, sem o querer, espera.

Crer em Deus, sem admitir a vida futura, fora um contra-senso. O sentimento de uma existência melhor reside no foro íntimo de todos os homens e não é possível que Deus aí o tenha colocado em vão.

A vida futura implica a conservação da nossa individualidade, após a morte. Com efeito, que nos importaria sobreviver ao corpo, se a nossa essência moral houvesse de perder-se no oceano do infinito? As conseqüências, para nós, seriam as mesmas que se tivéssemos de nos sumir no nada.

 

Intuição das penas e gozos futuros

 

960. Donde se origina a crença, com que deparamos entre todos os povos, na existência de penas e recompensas porvindouras?

“É sempre a mesma coisa: pressentimento da realidade, trazido ao homem pelo Espírito nele encarnado. Porque, sabei-o bem, não é debalde que uma voz interior vos fala. O vosso erro consiste em não lhe prestardes bastante atenção. Melhores vos tornaríeis, se nisso pensásseis muito, e muitas vezes.”

 

961. Qual o sentimento que domina a maioria dos homens no momento da morte: a dúvida, o temor, ou a esperança?

“A dúvida, nos cépticos empedernidos; o temor, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.”

 

962. Como pode haver cépticos, uma vez que a alma traz ao homem o sentimento das coisas espirituais?

“Eles são em número muito menor do que se julga. Muitos se fazem de espíritos fortes, durante a vida, somente por orgulho. No momento da morte, porém, deixam de ser fanfarrões.”

A responsabilidade dos nossos atos é a conseqüência da realidade da vida futura. Dizem-nos a razão e a justiça que, na partilha da felicidade a que todos aspiram, não podem estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus queira que uns gozem, sem trabalho, de bens que outros só alcançam com esforço e perseverança.

A idéia que, mediante a sabedoria de Suas leis, Deus nos dá de Sua justiça e de Sua bondade não nos permite acreditar que o justo e o mau estejam na mesma categoria a Seus olhos, nem duvidar de que recebam, algum dia, um a recompensa, o castigo o outro, pelo bem ou pelo mal que tenham feito. Por isso é que o sentimento inato que temos da justiça nos dá a intuição das penas e recompensas futuras.

 

Intervenção de Deus nas penas e recompensas

 

963. Com cada homem, pessoalmente Deus se ocupa? Não é Ele muito grande e nós muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, a Seus olhos, alguma importância?

“Deus se ocupa com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada, para Sua bondade, é destituído de valor.”

 

964. Mas, será necessário que Deus atente em cada um dos nossos atos, para nos recompensar ou punir? Esses atos não são, na sua maioria, insignificantes para Ele?

“Deus tem Suas leis a regerem todas as vossas ações. Se as violais, vossa é a culpa. Indubitavelmente, quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere contra ele um julgamento, dizendo-lhe, por exemplo: Foste guloso, vou punir-te. Ele traçou um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a conseqüência dos excessos. Eis aí a punição; é o resultado da infração da lei. Assim em tudo.”

Todas as nossas ações estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as conseqüências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que desse modo nos fazemos os causadores da nossa felicidade, ou da nossa infelicidade futuras.

Esta verdade se torna evidente por meio do apólogo seguinte: “Um pai deu a seu filho educação e instrução, isto é, os meios de se guiar. Cede-lhe um campo para que o cultive e lhe diz: Aqui estão a regra que deves seguir e todos os instrumentos necessários a tornares fértil este campo e assegurares a tua existência. Dei-te a instrução, para compreenderes esta regra. Se a seguires, teu campo produzirá muito e te proporcionará o repouso na velhice. Se a desprezares, nada produzirá e morrerás de fome. Dito isso, deixa-o proceder livremente.”

Não é verdade que esse campo produzirá na razão dos cuidados que forem dispensados à sua cultura e que toda negligência redundará em prejuízo da colheita? Na velhice, portanto, o filho será ditoso, ou desgraçado, conforme haja seguido ou não a regra que seu pai lhe traçou. Deus ainda é mais previdente, pois que nos adverte, a cada instante, de que estamos fazendo bem ou mal. Envia-nos os Espíritos para nos inspirarem, porém não os escutamos. Há mais esta diferença: Deus faculta sempre ao homem, concedendo-lhe novas existências, recursos para reparar seus erros passados, enquanto ao filho de quem falamos, se empregou mal o seu tempo, nenhum recurso resta.

 

Natureza das penas e gozos futuros

 

965. Têm alguma coisa de material as penas e gozos da alma depois da morte?

“Não podem ser materiais, di-lo o bom-senso, pois que a alma não é matéria. Nada têm de carnal essas penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os experimentais na Terra, porque o Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria não lhe embota as sensações.” (237 a 257)

 

966. Por que das penas e gozos da vida futura faz o homem, às vezes, tão grosseira e absurda idéia?

“Inteligência que ainda se não desenvolveu bastante. Compreende a criança as coisas como o adulto? Isso, ao demais, depende também do que se lhe ensinou: aí é que há necessidade de uma reforma.

“Muitíssimo incompleta é a vossa linguagem, para exprimir o que está fora de vós. Teve-se então que recorrer a comparações e tomaste como realidade as imagens e figuras que serviram para essas comparações. À medida, porém, que o homem se instrui, melhor vai compreendendo o que a sua linguagem não pode exprimir.”

 

967. Em que consiste a felicidade dos bons Espíritos?

“Em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos Espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os puros Espíritos gozam, é exato, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral. Os que já estão bastante adiantados compreendem a ventura dos que os precederam e aspiram a alcançá-la. Mas, esta aspiração lhes constitui uma causa de emulação, não de ciúme. Sabem que deles depende o consegui-la e para a conseguirem trabalham, porém com a calma da consciência tranqüila e ditosos se consideram por não terem que sofrer o que sofrem os maus.”

 

968. Citais, entre as condições da felicidade dos bons Espíritos, a ausência das necessidades materiais. Mas, a satisfação dessas necessidades não representa para o homem uma fonte de gozos?

“Sim, gozo do animal. Quando não podes satisfazer a essas necessidades, passas por uma tortura.”

 

969. Que se deve entender quando é dito que os Espíritos puros se acham reunidos no seio de Deus e ocupados em Lhe entoar louvores?

“É uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm das perfeições de Deus, porque o vêem e compreendem, mas que, como muitas outras, não se deve tomar ao pé da letra. Tudo em a Natureza, desde o grão de areia, canta, isto é, proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Não creias, todavia, que os Espíritos bem-aventurados estejam em contemplação por toda a eternidade. Seria uma bem-aventurança estúpida e monótona. Fora, além disso, a felicidade do egoísta, porquanto a existência deles seria uma inutilidade sem-termo. Estão isentos das tribulações da vida corpórea: já é um gozo. Depois, como dissemos, conhecem e sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência que adquiriram, auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa a sua ocupação, que ao mesmo tempo é um gozo.”

 

 

<< Retornar <<       >> Continuar >>

 


Principal | Os Autores | Este Site | Os Livros | Questões Comentadas | Mapa

O Livro dos Espíritos Comentado - 2008 - Desenvolvimento, Manutenção e Hospedagem: MakedonosWeb