256. Como é então que
alguns Espíritos se têm queixado de sofrer frio ou calor?
“É reminiscência do que
padecem durante a vida, reminiscência não raro tão aflitiva quanto a realidade. Muitas
vezes, no que eles assim dizem apenas há uma comparação mediante a qual, em falta de
coisa melhor, procuram exprimir a situação em que se acham.
Quando se lembram do corpo
que revestiram, têm impressão semelhante à de uma pessoa que, havendo tirado o manto
que a envolvia, julga, passando algum tempo, que ainda o traz sobre os ombros.”
Ensaio teórico da
sensação nos Espíritos
257. O corpo é o instrumento
da dor. Se não é a causa primária desta é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem
a percepção da dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que da dor a alma conserva
pode ser muito penosa, mas não pode ter ação física. De fato, nem o frio, nem o calor são
capazes de desorganizar os tecidos da alma, que não é suscetível de congelar-se,
nem de queimar-se. Não vemos todos os dias a recordação ou a apreensão de um mal físico
produzirem o efeito desse mal, como se real fora? Não as vemos até causar a morte?
Toda gente sabe que aqueles a quem se amputou um membro costumam sentir dor no
membro que lhes falta. Certo que aí não está a sede, ou, sequer, o ponto de partida da dor. O
que há, apenas, é que o cérebro guardou desta a impressão.
Lícito, portanto, será
admitir-se que coisa análoga ocorra nos sofrimentos do Espírito após a morte. Um estudo aprofundado
do perispírito, que tão importante papel desempenha em todos os fenômenos
espíritas; nas aparições vaporosas ou tangíveis; no estado em que o Espírito vem a encontrar-se
por ocasião da morte; na idéia, que tão freqüentemente manifesta, de que ainda está
vivo; nas situações tão comoventes que nos revelam os dos suicidas, dos supliciados,
dos que se deixaram absorver pelos gozos materiais; e inúmeros outros fatos, muita luz
lançaram sobre esta questão, dando lugar a explicações que passamos a resumir.
O perispírito é o laço que à
matéria do corpo prende o Espírito, que o tira do meio ambiente, do fluido
universal. Participa ao mesmo tempo da eletricidade, do fluido magnético e, até certo
ponto, da matéria inerte. Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria. É o princípio da
vida orgânica, porém, não o da vida intelectual, que reside no Espírito. É, além disso, o
agente das sensações exteriores. No corpo, os órgãos, servindo-lhes de condutos, localizam essas
sensações. Destruído o corpo, elas se tornam gerais. Daí o Espírito não dizer que sofre
mais da cabeça do que dos pés, ou vice-versa.
Não se confundam, porém, as
sensações do perispírito, que se tornou independente, com as do corpo. Estas últimas só
por termo de comparação as podemos tomar e não por analogia. Liberto do corpo, o Espírito
pode sofrer, mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja exclusivamente moral,
como o remorso, pois que ele se queixa de frio e calor. Também não sofre mais no inverno do
que no verão: temo-los visto atravessar chamas, sem experimentarem qualquer dor.
Nenhuma impressão lhes causa, conseguintemente, a temperatura. A dor que
sentem não é, pois, uma dor física propriamente dita: é um vago sentimento íntimo, que o
próprio Espírito nem sempre compreende bem, precisamente porque a dor não se acha
localizada e porque não a produzem agentes exteriores; é mais uma reminiscência do que uma
realidade, reminiscência, porém, igualmente penosa.
Algumas vezes, entretanto,
há mais do que isso, como vamos ver. Ensina-nos a experiência
que, por ocasião da morte, o perispírito se desprende mais ou menos lentamente do
corpo; que, durante os primeiros minutos depois da desencarnação, o Espírito não encontra
explicação para a situação em que se acha. Crê não estar morto, por isso que se sente vivo; vê a
um lado o corpo, sabe que lhe pertence, mas não compreende que esteja separado dele.
Essa situação dura enquanto haja qualquer ligação entre o corpo e o perispírito. Disse-nos,
certa vez, um suicida: “Não, não estou morto.” E acrescentava: No entanto, sinto os vermes
a me roerem. Ora, indubitavelmente, os vermes não lhe roíam o perispírito e ainda menos o
Espírito; roíam-lhe apenas o corpo. Como, porém, não era completa a separação do
corpo e do perispírito, uma espécie de repercussão moral se produzia, transmitindo ao
Espírito o que estava ocorrendo no corpo. Repercussão talvez não seja o termo próprio, porque
pode induzir à suposição de um efeito muito material. Era antes a visão do que se
passava com o corpo, ao qual ainda o conservava ligado o perispírito, o que lhe
causava a ilusão, que ele tomava por realidade. Assim, pois não haveria no caso uma
reminiscência, porquanto ele não fora, em vida, ruído pelos vermes: havia o
sentimento de um fato da atualidade. Isto mostra que deduções se podem tirar dos fatos,
quando atentamente observados.
Durante a vida, o corpo
recebe impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito,
que constitui, provavelmente, o que se chama fluido nervoso. Uma vez morto, o corpo nada
mais sente, por já não haver nele Espírito, nem perispírito. Este, desprendido do corpo,
experimenta a sensação, porém, como já não lhe chega por um conduto limitado, ela se lhe
torna geral. Ora, não sendo o perispírito, realmente, mais do que simples agente de
transmissão, pois que no Espírito é que está a consciência, lógico será deduzir-se que, se
pudesse existir perispírito sem Espírito, aquele nada sentiria, exatamente como um corpo que
morreu. Do mesmo modo, se o Espírito não tivesse perispírito, seria
inacessível a toda e qualquer sensação dolorosa. É o que se dá com os Espíritos completamente
purificados. Sabemos que quanto mais eles se purificam, tanto mais etérea se torna a
essência do perispírito, donde se segue que a influência material diminui à medida que o
Espírito progride, isto é, à medida que o próprio perispírito se torna menos grosseiro.
Mas, dir-se-á, desde que
pelo perispírito é que as sensações agradáveis, da mesma forma que as desagradáveis,
se transmitem ao Espírito, sendo o Espírito puro inacessível a umas, deve sê-lo igualmente
às outras. Assim é, de fato, com relação às que provêm unicamente da influência da
matéria que conhecemos. O som dos nossos instrumentos, o perfume das nossas flores
nenhuma impressão lhe causam. Entretanto, ele experimenta sensações íntimas, de um
encanto indefinível, das quais idéia alguma podemos formar, porque, a esse respeito,
somos quais cegos de nascença diante a luz. Sabemos que isso é real; mas, por que meio se
produz? Até lá não vai a nossa ciência. Sabemos que no Espírito há percepção, sensação,
audição, visão; que essas faculdades são atributos do ser todo e não, como no homem, de uma
parte apenas do ser; mas, de que modo ele as tem? Ignoramo-lo. Os próprios
Espíritos nada nos podem informar sobre isso, por inadequada a nossa linguagem a exprimir idéias
que não possuímos, precisamente como o é, por falta de termos próprios, a dos selvagens,
para traduzir idéias referentes às nossas artes, ciências e doutrinas filosóficas.
Dizendo que os Espíritos são
inacessíveis às impressões da matéria que conhecemos, referimo-nos aos
Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não encontra analogia neste
mundo. Outro tanto não acontece com os de perispírito mais denso, os quais percebem os nossos
sons e odores, não, porém, apenas por uma parte limitada de suas individualidades,
conforme lhes sucedia quando vivos. Pode-se dizer que, neles, as vibrações moleculares se
fazem sentir em todo o ser e lhes chegam assim ao sensorium commune, que é o
próprio Espírito, embora de modo diverso e talvez, também, dando uma impressão diferente, o que
modifica a percepção. Eles ouvem o som da nossa voz, entretanto nos compreendem
sem o auxílio da palavra, somente pela transmissão do pensamento. Em apoio do que
dizemos há o fato de que essa penetração é tanto mais fácil, quanto mais desmaterializado
está o Espírito. Pelo que concerne à vista, essa, para o Espírito, independe da luz,
qual a temos. A faculdade de ver é um atributo essencial da alma, para quem a
obscuridade não existe. É, contudo, mais extensa, mais penetrante nas mais purificadas. A alma, ou
o Espírito, tem, pois, em si mesma, a faculdade de todas as percepções. Estas, na vida
corpórea, se obliteram pela grosseria dos órgãos do corpo; na vida extracorpórea, se vão
desanuviando, à proporção que o invólucro semi-material se eteriza.
Haurido do meio ambiente,
esse invólucro varia de acordo com a natureza dos mundos. Ao passarem de um
mundo a outro, os Espíritos mudam de envoltório, como nós mudamos de roupa, quando
passamos do inverno ao verão, ou do pólo ao equador. Quando vêm visitar-nos, os mais
elevados se revestem do perispírito terrestre e então suas percepções se produzem como
no comum dos Espíritos. Todos, porém,
assim os inferiores como os superiores, não ouvem, nem sentem, senão o que queiram ouvir ou
sentir. Não possuindo órgãos sensitivos, eles podem, livremente, tornar ativas ou
nulas suas percepções. Uma só coisa são obrigados a ouvir - os conselhos dos Espíritos
bons. A vista, essa é sempre ativa; mas, eles podem fazer-se invisíveis uns aos outros.
Conforme a categoria que ocupem, podem ocultar-se dos que lhes são inferiores, porém não
dos que lhes são superiores. Nos primeiros instantes que se seguem à morte, a visão do
Espírito é sempre turbada e confusa. Aclara-se, à medida que ele se desprende, e pode
alcançar a nitidez que tinha durante a vida terrena, independentemente da
possibilidade de penetrar através dos corpos que nos são opacos.
Quanto à sua extensão
através do espaço indefinito, do futuro e do passado, depende do grau de pureza e de elevação
do Espírito. Objetarão, talvez: toda esta
teoria nada tem de tranqüilizadora. Pensávamos que, uma vez livres do nosso
grosseiro envoltório, instrumento das nossas dores, não mais sofreríamos e eis nos
informais de que ainda sofreremos. Desta ou daquela forma, será sempre sofrimento. Ah! sim,
pode dar-se que continuemos a sofrer, e muito, e por longo tempo, mas também que
deixemos de sofrer, até mesmo desde o instante em que se nos acabe a vida corporal.
Os sofrimentos deste mundo
independem, algumas vezes, de nós; muito mais vezes, contudo, são devidos à nossa
vontade. Remonte cada um à origem deles e verá que a maior parte de tais sofrimentos
são efeitos de causas que lhe teria sido possível evitar. Quantos males, quantas enfermidades
não deve o homem aos seus excessos, à sua ambição, numa palavra: às suas paixões?
Aquele que sempre vivesse com sobriedade, que de nada abusasse, que fosse sempre
simples nos gostos e modesto nos desejos, a muitas tribulações se forraria. O mesmo se dá
com o Espírito. Os sofrimentos por que passa são sempre a conseqüência da maneira por
que viveu na Terra. Certo já não sofrerá mais de gota, nem de reumatismo; no entanto,
experimentará outros sofrimentos que nada ficam a dever àqueles. Vimos que seu sofrer resulta dos
laços que ainda o prendem à matéria; que quanto mais livre estiver da influência desta,
ou, por outra, quanto mais desmaterializado se achar, menos dolorosas sensações
experimentará. Ora, está nas suas mãos libertar-se de tal influência desde a vida atual. Ele tem
o livre-arbítrio, tem, por conseguinte, a faculdade de escolha entre o fazer e o não fazer.
Dome suas paixões animais; não alimente ódio, nem inveja, nem ciúme, nem orgulho; não se
deixe dominar pelo egoísmo; purifique-se, nutrindo bons sentimentos; pratique o bem;
não ligue às coisas deste mundo importância que não merecem; e, então, embora
revestido do invólucro corporal, já estará depurado, já estará liberto do jugo da matéria
e, quando deixar esse invólucro, não mais lhe sofrerá a influência. Nenhuma
recordação dolorosa lhe advirá dos sofrimentos físicos que haja padecido; nenhuma impressão
desagradável eles deixarão, porque apenas terão atingido o corpo e não a alma.
Sentir-se-á feliz por se haver libertado deles e a paz da sua consciência o isentará de qualquer
sofrimento moral.
Interrogamos, aos milhares,
Espíritos que na Terra pertenceram a todas as classes da sociedade, ocuparam todas as
posições sociais; estudamo-los em todos os períodos da vida espírita, a partir do
momento em que abandonaram o corpo; acompanhamo-los passo a passo na vida de
além-túmulo, para observar as mudanças que se operavam neles, nas suas idéias, nos seus sentimentos
e, sob esse aspecto, não foram os que aqui se contaram entre os homens mais vulgares os que
nos proporcionaram menos preciosos elementos de estudo.
Ora, notamos sempre que os
sofrimentos guardavam relação com o proceder que eles tiveram e cujas
conseqüências experimentavam; que a outra vida é fonte de inefável ventura para os que seguiram o bom
caminho. Deduz-se daí que, aos que sofrem, isso acontece porque o quiseram; que,
portanto, só de si mesmos se devem queixar, quer no outro mundo, quer neste.
Escolha das provas
258. Quando na
erraticidade, antes de começar nova existência corporal, tem o Espírito consciência e
previsão do que lhe sucederá no curso da vida terrena?
“Ele próprio escolhe o
gênero de provas por que há de passar e nisso consiste o seu livre-arbítrio.”
a) - Não é Deus, então,
quem lhe impõe as tribulações da vida, como castigo?
“Nada ocorre sem a permissão
de Deus, porquanto foi Deus quem estabeleceu todas as leis que regem o
Universo. Ide agora perguntar por que decretou Ele esta lei e não aquela. Dando ao Espírito a
liberdade de escolher, Deus lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e das
conseqüências que estes tiverem. Nada lhe estorva o futuro; abertos se lhe acham, assim, o caminho do
bem, como o do mal. Se vier a sucumbir, restar-lhe-á a consolação de que nem tudo
se lhe acabou e que a bondade divina lhe concede a liberdade de recomeçar o que foi mal
feito. Demais, cumpre se distinga o que é obra da vontade de Deus do que o é da do homem.
Se um perigo vos ameaça, não fostes vós quem o criou e sim Deus. Vosso, porém, foi
o desejo de a ele vos expordes, por haverdes visto nisso um meio de progredirdes, e Deus
o permitiu.”
259. Do fato de pertencer
ao Espírito a escolha do gênero de provas que deva sofrer, seguir-se-á que
todas as tribulações que experimentamos na vida nós as previmos e buscamos?
“Todas, não, porque não
escolhestes e previstes tudo o que vos sucede no mundo, até às mínimas coisas.
Escolhestes apenas o gênero das provações. As particularidades correm por conta da posição
em que vos achais; são, muitas vezes, conseqüências das vossas próprias ações.
Escolhendo, por exemplo, nascer entre malfeitores, sabia o Espírito a que arrastamentos se
expunha; ignorava, porém, quais os atos que viria a praticar. Esses atos
resultam do exercício da sua
vontade, ou do seu livre-arbítrio. Sabe o Espírito que, escolhendo tal caminho, terá
que sustentar lutas de determinada espécie; sabe, portanto, de que natureza serão as
vicissitudes que se lhe depararão, mas ignora se se verificará este ou aquele êxito. Os
acontecimentos secundários se originam das circunstâncias e da força mesma das coisas. Previstos
só são os fatos principais, os que influem no destino. Se tomares uma estrada cheia de
sulcos profundos, sabes que terás de andar cautelosamente, porque há muitas
probabilidades de caíres; ignoras, contudo, em que ponto cairás e bem pode suceder que não caias,
se fores bastante prudente. Se, ao percorreres uma rua, uma telha te cair na cabeça, não
creias que estava escrito, segundo vulgarmente se diz.”
260. Como pode o Espírito
desejar nascer entre gente de má vida?
“Forçoso é que seja posto
num meio onde possa sofrer a prova que pediu. Pois bem! É necessário que haja
analogia. Para lutar contra o instinto do roubo, preciso é que se ache em contacto com gente dada à
prática de roubar.”
a) - Assim, se não
houvesse na Terra gente de maus costumes, o Espírito não encontraria aí meio
apropriado ao sofrimento de certas provas?
“E seria isso de
lastimar-se? É o que ocorre nos mundos superiores, onde o mal não penetra. Eis por que nesses
mundos, só há Espíritos bons. Fazei que em breve o mesmo se dê na Terra.”
261. Nas provações por
que lhe cumpre passar para atingir a perfeição, tem o Espírito que sofrer
tentações de todas as naturezas? Tem que se achar em todas as circunstâncias que possam
excitar-lhe o orgulho, a inveja, a avareza, a sensualidade, etc.?
“Certo que não, pois bem
sabeis haver Espíritos que desde o começo tomam um caminho que os exime de muitas provas. Aquele,
porém, que se deixa arrastar para o mau caminho, corre todos os perigos que o inçam. Pode um
Espírito, por exemplo, pedir a riqueza e ser-lhe esta concedida. Então, conforme o
seu caráter, poderá tornar-se avaro ou pródigo, egoísta ou generoso, ou ainda lançar-se
a todos os gozos da sensualidade. Daí não se segue, entretanto, que haja de forçosamente
passar por todas estas tendências.”
262. Como pode o
Espírito, que, em sua origem, é simples, ignorante e carecido de experiência, escolher uma
existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha?
“Deus lhe supre a
inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazeis com a criancinha.
Deixa-o, porém, pouco a pouco, à medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve, senhor de
proceder à escolha e só então é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se, tomando o mau
caminho, por desatender os conselhos dos bons Espíritos. A isso é que se pode chamar a
queda do homem.”
a) - Quando o Espírito
goza do livre-arbítrio, a escolha da existência corporal dependerá sempre
exclusivamente de sua vontade, ou essa existência lhe pode ser imposta, como expiação, pela
vontade de Deus?
“Deus sabe esperar, não
apressa a expiação. Todavia, pode impor certa existência a um Espírito, quando este,
pela sua inferioridade ou má-vontade, não se mostra apto a compreender o que lhe seria
mais útil, e quando vê que tal existência servirá para a purificação e o progresso do
Espírito, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.”
263. O Espírito faz a sua
escolha logo depois da morte?
“Não, muitos acreditam na
eternidade das penas, o que, como já se vos disse, é um castigo.”
264. Que é o que dirige o
Espírito na escolha das provas que queira sofrer?
“Ele escolhe, de acordo com
a natureza de suas faltas, as que o levem à expiação destas e a progredir mais
depressa. Uns, portanto, impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações,
objetivando suportá-las com coragem; outros preferem experimentar as tentações da riqueza e do
poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação a que podem dar lugar, pelas
paixões inferiores que uma e outros desenvolvem; muitos, finalmente, se decidem a
experimentar suas forças nas lutas que terão de sustentar em contacto com o vício.”
265. Havendo Espíritos
que, por provação, escolhem o contacto do vício, outros não haverá que o busquem
por simpatia e pelo desejo de viverem num meio conforme aos seus gostos, ou para
poderem entregar-se materialmente a seus pendores materiais?
“Há, sem dúvida, mas
tão-somente entre aqueles cujo senso moral ainda está pouco desenvolvido. A prova vem
por si mesma e eles a sofrem mais demoradamente. Cedo ou tarde, compreendem que a
satisfação de suas paixões brutais lhes acarretou deploráveis conseqüências, que eles
sofrerão durante um tempo que lhes parecerá eterno. E Deus os deixará nessa persuasão, até
que se tornem conscientes da falta em que incorreram e peçam, por impulso próprio, lhes
seja concedido resgatá-la, mediante úteis provações.”
266. Não parece natural
que se escolham as provas menos dolorosas?
“Pode parecer-vos a vós; ao
Espírito, não. Logo que este se desliga da matéria, cessa toda ilusão e outra passa a
ser a sua maneira de pensar.”
Sob a influência das idéias
carnais, o homem, na Terra, só vê das provas o lado penoso. Tal a razão de lhe
parecer natural sejam escolhidas as que, do seu ponto de vista, podem coexistir com os gozos
materiais. Na vida espiritual, porém, compara esses gozos fugazes e grosseiros com a
inalterável felicidade que lhe é
dado entrever e desde logo nenhuma impressão mais lhe causam os passageiros sofrimentos
terrenos. Assim, pois, o Espírito pode escolher prova muito rude e, conseguintemente, uma
angustiada existência, na esperança de alcançar depressa um estado melhor, como o doente
escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável para se curar de pronto. Aquele que
intenta ligar seu nome à descoberta de um país desconhecido não procura trilhar estrada
florida. Conhece os perigos a que se arrisca, mas também sabe que o espera a glória, se
lograr bom êxito.
A doutrina da liberdade que
temos de escolher as nossas existências e as provas que devamos sofrer deixa de
parecer singular, desde que se atenda a que os Espíritos, uma vez desprendidos da matéria,
apreciam as coisas de modo diverso da nossa maneira de apreciá-los.
Divisam a meta, que bem
diferente é para eles dos gozos fugitivos do mundo. Após cada existência, vêem o
passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta em pureza para atingirem aquela meta.
Daí o se submeterem voluntariamente a todas as vicissitudes da vida corpórea, solicitando
as que possam fazer que a alcancem mais presto. Não há, pois, motivo de espanto no fato de
o Espírito não preferir a existência mais suave. Não lhe é possível, no estado de
imperfeição em que se encontra, gozar de uma vida isenta de amarguras. Ele o percebe e,
precisamente para chegar a fruí-la, é que trata de se melhorar.
Não vemos, aliás, todos os
dias, exemplos de escolhas tais? Que faz o homem que passa uma parte de sua vida
a trabalhar sem trégua, nem descanso, para reunir haveres que lhe assegurem o bem-estar,
senão desempenhar uma tarefa que a si mesmo se impôs, tendo em vista melhor futuro? O
militar que se oferece para uma perigosa missão, o navegante que afronta não menores
perigos, por amor da Ciência ou no seu próprio interesse, que fazem, também eles, senão
sujeitar-se a provas voluntárias, de que lhes advirão honras e proveito, se não sucumbirem?
A que se não submete ou expõe o homem pelo seu interesse ou pela sua glória? E os
concursos não são também todos provas voluntárias a que os concorrentes se sujeitam,
com o fito de avançarem na carreira que escolheram? Ninguém galga qualquer posição nas
ciências, nas artes, na indústria, senão passando pela série das posições inferiores, que são
outras tantas provas. A vida humana é, pois, cópia da vida espiritual; nela se nos
deparam em ponto pequeno todas as peripécias da outra. Ora, se na vida terrena muitas vezes
escolhemos duras provas, visando posição mais
elevada, por que não haveria o Espírito, que enxerga mais longe que o corpo e para
quem a vida corporal é apenas incidente de curta duração, de escolher uma existência
árdua e laboriosa, desde que o conduza à felicidade eterna? Os que dizem que pedirão para ser
príncipes ou milionários, uma vez que ao homem é que caiba escolher a sua existência,
se assemelham aos míopes, que apenas vêem aquilo em que tocam, ou a meninos gulosos,
que, a quem os interroga sobre isso, respondem que desejam ser pasteleiros ou doceiros.
O viajante que atravessa
profundo vale ensombrado por espesso nevoeiro não logra apanhar com a vista a
extensão da estrada por onde vai, nem os seus pontos extremos. Chegando, porém, ao cume da
montanha, abrange com o olhar quanto percorreu do caminho e quanto lhe resta
dele a percorrer. Divisa-lhe o termo, vê os obstáculos que ainda terá de transpor e combina
então os meios mais seguros de atingi-lo. O Espírito encarnado é qual viajante no sopé da
montanha. Desenleado dos liames terrenais, sua visão tudo domina, como a daquele que
subiu à crista da serrania. Para o viajor, no termo da sua jornada está o repouso após
a fadiga; para o Espírito, está a felicidade suprema, após as tribulações e as provas.
Dizem todos os Espíritos
que, na erraticidade, eles se aplicam a pesquisar, estudar, observar, a fim de fazerem a
sua escolha. Na vida corporal não se nos oferece um exemplo deste fato? Não levamos,
freqüentemente, anos a procurar a carreira pela qual afinal nos decidimos, certos de ser a
mais apropriada a nos facilitar o caminho da vida? Se numa o nosso intento se malogra,
recorremos a outra. Cada uma das que abraçamos representa uma fase, um período da vida.
Não nos ocupamos cada dia em cogitar do que faremos no dia seguinte? Ora, que são, para
o Espírito as diversas existências corporais, senão fases, períodos, dias da sua vida
espírita, que é, como sabemos, a vida normal, visto que a outra é transitória, passageira?
267. Pode o Espírito
proceder à escolha de suas provas, enquanto encarnado?
“O desejo que então alimenta
pode influir na escolha que venha a fazer, dependendo isso da intenção que o
anime. Dá-se, porém, que, como Espírito livre, quase sempre vê as coisas de modo diferente. O
Espírito por si só é quem faz a escolha; entretanto, ainda uma vez o dizemos, possível lhe é
fazê-la, mesmo na vida material, por isso que há sempre momentos em que o Espírito se torna
independente da matéria que lhe serve de habitação.”
a) - Não é decerto como
expiação, ou como prova, que muita gente deseja as grandezas e as riquezas.
Será?
“Indubitavelmente, não. A
matéria deseja essa grandeza para gozá-la e o Espírito para conhecer-lhe as
vicissitudes.”
268. Até que chegue ao
estado de pureza perfeita, tem o Espírito que passar constantemente por
provas?
“Sim, mas que não são como o
entendeis, pois que só considerais provas as tribulações materiais. Ora,
havendo-se elevado a um certo grau, o Espírito, embora não seja ainda perfeito, já não tem
que sofrer provas. Continua, porém, sujeito a deveres nada penosos, cuja satisfação lhe
auxilia o aperfeiçoamento, mesmo que consistam apenas em auxiliar os outros a se
aperfeiçoarem.”
269. Pode o Espírito
enganar-se quanto à eficiência da prova que escolheu? “Pode escolher uma que
esteja acima de suas forças e sucumbir. Pode também escolher alguma que nada lhe
aproveite, como sucederá se buscar vida ociosa e inútil. Mas, então, voltando ao mundo dos
Espíritos, verifica que nada ganhou e pede outra que lhe faculte recuperar o tempo
perdido.”
270. A que se devem
atribuir as vocações de certas pessoas e a vontade que sentem de seguir uma carreira de
preferência a outra?
“Parece-me que vós mesmos
podeis responder a esta pergunta. Pois não é isso a conseqüência de tudo o que
acabamos de dizer sobre a escolha das provas e sobre o progresso efetuado em
existência anterior?”
271. Estudando, na
erraticidade, as diversas condições em que poderá progredir, como pensa o Espírito
conseguí-lo, nascendo, por exemplo, entre canibais?
“Entre canibais não nascem
Espíritos já adiantados, mas Espíritos da natureza dos canibais, ou ainda
inferiores aos destes.”
Sabemos que os nossos
antropólogos não se acham no último degrau da escala espiritual e que mundos há
onde a bruteza e a ferocidade não têm analogia na Terra. Os Espíritos que aí encarnam
são, portanto, inferiores aos mais ínfimos que no nosso mundo encarnam. Para eles, pois,
nascer entre os nossos selvagens representa um progresso, como progresso seria, para os
antropófagos terrenos, exercerem entre nós uma profissão que os obrigasse a fazer correr
sangue. Não podem pôr mais alto suas vistas, porque sua inferioridade moral não lhes
permite compreender maior progresso. O Espírito só gradativamente avança. Não
lhe é dado transpor de um salto a distância que da civilização separa a barbárie e é esta
uma das razões que nos mostram ser necessária a reeencarnação, que verdadeiramente
corresponde à justiça de Deus. De outro modo, que seria desses milhões de criaturas que
todos os dias morrem na maior degradação, se não tivessem meios de alcançar a superioridade?
Por que os privaria Deus dos favores concedidos aos outros homens?
272. Poderá dar-se que
Espíritos vindos de um mundo inferior à Terra, ou de um povo muito atrasado, como
os canibais, por exemplo, nasçam no seio de povos civilizados?
“Pode. Alguns há que se
extraviam, por quererem subir muito alto. Mas, nesse caso, ficam deslocados no meio em
que nasceram, por estarem seus costumes e instintos em conflito com os dos outros
homens.”
Tais seres nos oferecem o
triste espetáculo da ferocidade dentro da civilização. Voltando para o meio dos
canibais, não sofrem uma degradação; apenas volvem ao lugar que lhes é próprio e com
isso talvez até ganhem.
273. Será possível que um
homem de raça civilizada reencarne, por exemplo, numa raça de selvagens?
“É; mas depende do gênero da
expiação. Um senhor, que tenha sido de grande crueldade para os seus
escravos, poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus tratos que infligiu a seus
semelhantes. Um, que em certa época exerceu o mando, pode, em nova existência, ter que
obedecer aos que se curvaram ante a sua vontade. Ser-lhe-á isso uma expiação, que Deus lhe
imponha, se ele abusou do seu poder. Também um bom Espírito pode querer
encarnar no seio daquelas raças, ocupando posição influente, para fazê-las progredir. Em tal
caso, desempenha uma missão.”
As relações no
além-túmulo
274. Da existência de
diferentes ordens de Espíritos, resulta para estes alguma hierarquia de poderes? Há
entre eles subordinação e autoridade?
“Muito grande. Os Espíritos
têm uns sobre os outros a autoridade correspondente ao grau de superioridade que
hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um ascendente moral irresistível.”
a) - Podem os Espíritos
inferiores subtrair-se à autoridade dos que lhes são superiores?
“Eu disse: irresistível.”
275. O poder e a
consideração de que um homem gozou na Terra lhe dão supremacia no mundo dos
Espíritos?
“Não; pois que os pequenos
serão elevados e os grandes rebaixados. Lê os salmos.”
a) - Como devemos
entender essa elevação e esse rebaixamento?
“Não sabes que os Espíritos
são de diferentes ordens, conforme seus méritos? Pois bem! O maior da Terra pode
pertencer à última categoria entre os Espíritos, ao passo que o seu servo pode estar
na primeira. Compreendes isto? Não disse Jesus: aquele que se humilhar será exalçado e
aquele que se exalçar será humilhado?”
276. Aquele que foi
grande na Terra e que, como Espírito, vem a achar-se entre os de ordem
inferior, experimenta com isso alguma humilhação?
“As vezes bem grande,
mormente se era orgulhoso e invejoso.”
277. O soldado que depois
da batalha se encontra com o seu general, no mundo dos Espíritos, ainda o tem
por seu superior?
“O título nada vale, a
superioridade real é que tem valor.”
278. Os Espíritos das
diferentes ordens se acham misturados uns com os outros?
“Sim e não. Quer dizer: eles
se vêem, mas se distinguem uns dos outros. Evitam-se ou se aproximam, conforme à
simpatia ou à antipatia que reciprocamente uns inspiram aos outros, tal qual sucede
entre vós. Constituem um mundo do qual o vosso é pálido reflexo. Os da mesma categoria se
reúnem por uma espécie de afinidade e formam grupos ou famílias, unidos pelos laços
da simpatia e pelos fins a que visam: os bons, pelo desejo de fazerem o bem; os maus, pelo
de fazerem o mal, pela vergonha de suas faltas e pela necessidade de se acharem
entre os que se lhes assemelham.”
Tal uma grande cidade onde
os homens de todas as classes e de todas as condições se vêem e encontram, sem se
confundirem; onde as sociedades se formam pela analogia dos gostos; onde a virtude e o
vício se acotovelam, sem trocarem palavra.
279. Todos os Espíritos
têm reciprocamente acesso aos diferentes grupos ou sociedades que eles
formam?
“Os bons vão a toda parte e
assim deve ser, para que possam influir sobre os maus. As regiões, porém, que os
bons habitam estão interditadas aos Espíritos imperfeitos, a fim de que não as perturbem com
suas paixões inferiores.”
280. De que natureza são
as relações entre os bons e os maus Espíritos?
“Os bons se ocupam em
combater as más inclinações dos outros, a fim de ajudá-los a subir. É sua
missão.”
281. Por que os Espíritos
inferiores se comprazem em nos induzir ao mal?
“Pelo despeito que lhes
causa o não terem merecido estar entre os bons. O desejo que neles predomina é o de
impedirem, quanto possam, que os Espíritos ainda inexperientes alcancem o supremo bem.
Querem que os outros experimentem o que eles próprios experimentam. Isto não se dá
também entre vós outros?”
282. Como se comunicam
entre si os Espíritos?
“Eles se vêem e se
compreendem. A palavra é material: é o reflexo do Espírito. O fluido universal estabelece
entre eles constante comunicação; é o veículo da transmissão de seus pensamentos, como, para
vós, o ar o é do som. É uma espécie de telégrafo universal, que liga todos os mundos e
permite que os Espíritos se correspondam de um mundo a outro.”
283. Podem os Espíritos,
reciprocamente, dissimular seus pensamentos? Podem ocultar-se uns dos
outros?
“Não; para os Espíritos,
tudo é patente, sobretudo para os perfeitos. Podem afastar-se uns dos outros, mas sempre
se vêem. Isto, porém, não constitui regra absoluta, porquanto certos Espíritos podem muito
bem tornar-se invisíveis a outros Espíritos, se julgarem útil fazê-lo.”
284. Como podem os
Espíritos, não tendo corpo, comprovar suas individualidades e distinguir-se dos outros
seres espirituais que os rodeiam?
“Comprovam suas
individualidades pelo perispírito, que os torna distinguíveis uns dos outros, como faz o corpo
entre os homens.”
285. Os Espíritos se
reconhecem por terem coabitado a Terra? O filho reconhece o pai, o amigo reconhece o
seu amigo?
“Perfeitamente e, assim, de
geração em geração.”
a) - Como é que os que se
conheceram na Terra se reconhecem no mundo dos Espíritos?
“Vemos a nossa vida
pretérita e lemos nela como em um livro. Vendo a dos nossos amigos e dos nossos
inimigos, aí vemos a passagem deles da vida corporal à outra.”
286. Deixando seus
despojos mortais, a alma vê imediatamente os parentes e amigos que a precederam
no mundo dos Espíritos?
“Imediatamente, ainda aqui,
não é o termo próprio. Como já dissemos, é-lhe necessário algum tempo para
que ela se reconheça a si mesma e alije o véu material.”
287. Como é acolhida a
alma no seu regresso ao mundo dos Espíritos?
“A do justo, como bem-amado
irmão, desde muito tempo esperado. A do mau, como um ser desprezível.”
288. Que sentimento
desperta nos Espíritos impuros a chegada entre eles de outro Espírito mau?
“Os maus ficam satisfeitos
quando vêem seres que se lhes assemelham e privados, também, da infinita ventura,
qual na Terra um tratante entre seus iguais.”
289. Nossos parentes e
amigos costumam vir-nos ao encontro quando deixamos a Terra?
“Sim, os Espíritos vão ao
encontro da alma a quem são afeiçoados. Felicitam-na, como se regressasse de uma
viagem, por haver escapado aos perigos da estrada, e ajudam-na a desprender-se dos
liames corporais. É uma graça concedida aos bons Espíritos o lhes virem ao encontro os que os
amam, ao passo que aquele que se acha maculado permanece em insulamento, ou só tem a
rodeá-lo os que lhe são semelhantes. É uma punição.”
290. Os parentes e amigos
sempre se reúnem depois da morte?
“Depende isso da elevação
deles e do caminho que seguem, procurando progredir. Se um está mais adiantado e
caminha mais depressa do que outro, não podem os dois conservar-se juntos.
Ver-se-ão de tempos a tempos, mas não estarão reunidos para sempre, senão quando puderem
caminhar lado a lado, ou quando se houverem igualado na perfeição. Acresce que a
privação de ver os parentes e amigos é, às vezes, uma punição.”
Relações de simpatia e de
antipatia entre os Espíritos. Metades
eternas
291. Além da simpatia
geral, oriunda da semelhança que entre eles exista, votam-se os Espíritos recíprocas
afeições particulares?
“Do mesmo modo que os
homens, sendo, porém, que mais forte é o laço que prende os Espíritos uns aos outros,
quando carentes de corpo material, porque então esse laço não se acha exposto às
vicissitudes das paixões.”
292. Alimentam ódio entre
si os Espíritos?
“Só entre os Espíritos
impuros há ódio e são eles que insuflam nos homens as inimizades e as dissensões.”
293. Conservarão
ressentimento um do outro, no mundo dos Espíritos, dois seres que foram inimigos na
Terra?
“Não; compreenderão que era
estúpido o ódio que se votavam e pueril o motivo que o inspirava. Apenas os
Espíritos imperfeitos conservam uma espécie de animosidade, enquanto se não purificam.
Se foi unicamente um interesse material o que os inimizou, nisso não pensarão mais, por
pouco desmaterializados que estejam. Não havendo entre eles antipatia e tendo deixado de
existir a causa de suas desavenças, aproximam-se uns dos outros com prazer.”
Sucede como entre dois
colegiais que, chegando à idade da ponderação reconhecem a puerilidade de suas
dissensões infantis e deixam de se malquerer.
294. A lembrança dos atos
maus que dois homens praticaram um contra o outro constitui obstáculo a que
entre eles reine simpatia?
“Essa lembrança os induz a
se afastarem um do outro.”
295. Que sentimento
anima, depois da morte, aqueles a quem fizemos mal neste mundo?
“Se são bons, eles vos
perdoam, segundo o vosso arrependimento. Se maus, é possível que guardem
ressentimento do mal que lhes fizestes e vos persigam até, não raro, em outra existência. Deus
pode permitir que assim seja, por castigo.”
296. São suscetíveis de
alterar-se as afeições individuais dos Espíritos?
“Não, por não estarem eles
sujeitos a enganar-se. Falta-lhes a máscara sob que se escondem os hipócritas.
Daí vem que, sendo puros, suas afeições são inalteráveis. Suprema felicidade lhes advém do
amor que os une.”
297. Continua a existir
sempre, no mundo dos Espíritos, a afeição mútua que dois seres se consagraram na
Terra?
“Sem dúvida, desde que
originada de verdadeira simpatia. Se, porém, nasceu principalmente de causas de
ordem física, desaparece com a causa. As afeições entre os Espíritos são mais sólidas e
duráveis do que na Terra, porque não se acham subordinadas aos caprichos dos interesses
materiais e do amor-próprio.”
298. As almas que devam
unir-se estão, desde suas origens, predestinadas a essa união e cada um de nós
tem, nalguma parte do Universo, sua metade, a que fatalmente um dia reunirá?
“Não; não há união
particular e fatal, de duas almas. A união que há é a de todos os Espíritos, mas em graus
diversos, segundo a categoria que ocupam, isto é, segundo a perfeição que tenham
adquirido. Quanto mais perfeitos, tanto mais unidos. Da discórdia nascem todos os males dos
humanos; da concórdia resulta a completa felicidade.”
299. Em que sentido se
deve entender a palavra metade, de que alguns Espíritos se servem para designar os
Espíritos simpáticos?
“A expressão é inexata. Se
um Espírito fosse a metade do outro, separados os dois, estariam ambos incompletos.”
300. Se dois Espíritos
perfeitamente simpáticos se reunirem, estarão unidos para todo o sempre, ou poderão
separar-se e unir-se a outros Espíritos?
“Todos os Espíritos estão
reciprocamente unidos. Falo dos que atingiram a perfeição. Nas esferas
inferiores, desde que um Espírito se eleva, já não simpatiza, como dantes, com os que lhe
ficaram abaixo.”
301. Dois Espíritos
simpáticos são complemento um do outro, ou a simpatia entre eles existente é
resultado de identidade perfeita?
“A simpatia que atrai um
Espírito para outro resulta da perfeita concordância de seus pendores e instintos.
Se um tivesse que completar o
outro, perderia a sua individualidade.”
302. A identidade
necessária à existência da simpatia perfeita apenas consiste na analogia dos pensamentos
e sentimentos, ou também na uniformidade dos conhecimentos adquiridos?
“Na igualdade dos graus da
elevação.”
303. Podem tornar-se de
futuro simpáticos, Espíritos que presentemente não o são?
“Todos o serão. Um Espírito,
que hoje está numa esfera inferior, ascenderá, aperfeiçoando-se, à em que
se acha tal outro Espírito. E ainda mais depressa se dará o encontro dos dois, se o mais
elevado, por suportar mal as provas a que esteja submetido, permanecer estacionário.”
a) - Podem deixar de ser
simpáticos um ao outro dois Espíritos que já o sejam?
“Certamente, se um deles for
preguiçoso.”
A teoria das metades eternas
encerra uma simples figura, representativa da união de dois Espíritos simpáticos.
Trata-se de uma expressão usada até na linguagem vulgar e que se não deve tomar ao pé da
letra. Não pertencem decerto a uma ordem elevada os Espíritos que a empregaram.
Necessariamente, limitado sendo o campo de suas idéias, exprimiram seus pensamentos com os
termos de que se teriam utilizado na vida corporal. Não se deve, pois, aceitar a idéia de
que, criados um para o outro, dois Espíritos tenham, fatalmente, que se reunir um dia na
eternidade, depois de haverem estado separados por tempo mais ou menos longo.
Recordação da existência
corpórea
304. Lembra-se o Espírito
da sua existência corporal?
“Lembra-se, isto é, tendo
vivido muitas vezes na Terra, recorda-se do que foi como homem e eu te afirmo que
freqüentemente ri, penalizado de si mesmo.”
Tal qual o homem, chegou à
madureza e que ri das suas loucuras de moço, ou das suas puerilidades na
meninice.
305. A lembrança da
existência corporal se apresenta ao Espírito. completa e inopinadamente, após a
morte?
“Não, vem-lhe pouco a pouco,
qual imagem que surge gradualmente de uma névoa, à medida que nela fixa ele a
sua atenção.”
306. O Espírito se
lembra, pormenorizadamente, de todos os acontecimentos de sua vida? Apreende o conjunto
deles de um golpe de vista retrospectivo?
“Lembra-se das coisas, de
conformidade com as conseqüências que delas resultaram para o estado em que se
encontra como Espírito errante. Bem compreendes, portanto, que muitas circunstâncias haverá
de sua vida a que não ligará importância alguma e das quais nem sequer procurará
recordar-se.”
a) - Mas, se o quisesse,
poderia lembrar-se delas?
“Pode lembrar-se dos mais
minuciosos pormenores e incidentes, assim relativos aos fatos, como até aos seus
pensamentos. Não o faz, porém, desde que não tenha utilidade.”
b) - Entrevê o Espírito o
objetivo da vida terrestre com relação à vida futura?
“Certo que o vê e compreende
muito melhor do que em vida do seu corpo. Compreende a necessidade da
sua purificação para chegar ao infinito e percebe que em cada existência deixa algumas
impurezas.”