664. Será útil que oremos
pelos mortos e pelos Espíritos sofredores? E, neste caso, como lhes podem as nossas
preces proporcionar alívio e abreviar os sofrimentos? Têm elas o poder de abrandar a
justiça de Deus?
“A prece não pode ter por
efeito mudar os desígnios de Deus, mas a alma por quem se ora experimenta alívio,
porque recebe assim um testemunho do interesse que inspira àquele que por ela pede e
também porque o desgraçado sente sempre um refrigério, quando encontra almas caridosas que
se compadecem de suas dores. Por outro lado, mediante a prece, aquele que ora
concita o desgraçado ao arrependimento e ao desejo de fazer o que é necessário para ser feliz.
Neste sentido é que se lhe pode abreviar a pena, se, por sua parte, ele secunda a prece com a
boa-vontade. O desejo de melhorar-se, despertado pela prece, atrai para junto do Espírito
sofredor Espíritos melhores, que o vão esclarecer, consolar e dar-lhe esperanças. Jesus
orava pelas ovelhas desgarradas, mostrando-vos, desse modo, que culpados vos tornaríeis, se
não fizésseis o mesmo pelos que mais necessitam das vossas preces.”
665. Que se deve pensar
da opinião dos que rejeitam a prece em favor dos mortos, por não se achar
prescrita no Evangelho?
“Aos homens disse o Cristo:
Amai-vos uns aos outros. Esta recomendação contém a de empregar o homem todos os
meios possíveis para testemunhar aos outros homens afeição, sem haver entrado
em minúcias quanto à maneira de atingir ele esse fim. Se é certo que nada pode fazer que o
Criador, imagem da justiça perfeita, deixe de aplicá-la a todas as ações do Espírito, não menos
certo é que a prece que lhe
dirigis por aquele que vos inspira afeição constitui, para este, um testemunho de que dele vos
lembrais, testemunho que forçosamente contribuirá para lhe suavizar os sofrimentos e
consolá-lo. Desde que ele manifeste o mais ligeiro arrependimento, mas só
então, é socorrido. Nunca, porém, será deixado na ignorância de que uma alma simpática com
ele se ocupou. Ao contrário, será deixado na doce crença de que a intercessão dessa alma
lhe foi útil. Daí resulta necessariamente, de sua parte, um sentimento de gratidão e
afeto pelo que lhe deu essa prova de amizade ou de piedade. Em conseqüência, crescerá num e
noutro, reciprocamente, o amor que o Cristo recomendava aos homens. Ambos, pois, se
fizeram assim obedientes à lei de amor e de união de todos os seres, lei divina, de que
resultará a unidade, objetivo e finalidade do Espírito.”(1)
666. Pode-se orar aos
Espíritos?
“Pode-se orar aos bons
Espíritos, como sendo os mensageiros de Deus e os executores de Suas vontades.
O poder deles, porém, está em relação com a superioridade que tenham alcançado e
dimana sempre do Senhor de todas as coisas, sem cuja permissão nada se faz. Eis por que as
preces que se lhes dirigem só são eficazes, se bem aceitas por Deus.”
Politeísmo
667. Por que razão, não
obstante ser falsa, a crença politeísta é uma das mais antigas e espalhadas?
“A concepção de um Deus
único não poderia existir no homem, senão como resultado do desenvolvimento
de suas idéias. Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma
determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-Lhe o homem atributos da natureza
corpórea, isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia
ultrapassar os limites da inteligência comum era, para ele, uma divindade. Tudo o que não
compreendia devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências
distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos,
porém, houve homens instruídos, que compreenderam ser impossível a existência
desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma direção superior, e que, em
conseqüência, se elevaram à concepção de um Deus único.”
668. Tendo-se produzido
em todos os tempos e sendo conhecidos desde as primeiras idades do mundo, não
haverão os fenômenos espíritas contribuído para a difusão da crença na pluralidade dos
deuses?
“Sem dúvida, porquanto,
chamando deus a tudo o que era sobre-humano, os homens tinham por deuses os
Espíritos. Daí veio que, quando um homem, pelas suas ações, pelo seu gênio, ou por um poder
oculto que o vulgo não lograva compreender, se distinguia dos demais, faziam dele um deus
e, por sua morte, lhe rendiam culto.” (603)
A palavra deus tinha, entre
os antigos, acepção muito ampla. Não indicava, como presentemente, uma
personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica, que se dava a todo ser
existente fora das condições da Humanidade. Ora, tendo-lhes as manifestações espíritas
revelado a existência de seres incorpóreos a atuarem como potência da Natureza, a esses seres
deram eles o nome de deuses, como lhes damos atualmente o de Espíritos. Pura
questão de palavras, com a única diferença de que, na ignorância em que se achavam, mantida
intencionalmente pelos que nisso tinham interesse, eles erigiram templos e altares muito lucrativos a
tais deuses, ao passo que hoje os consideramos simples criaturas como nós, mais ou menos
perfeitas e despidas de seus invólucros terrestres. Se estudarmos atentamente os diversos
atributos das divindades pagãs, reconheceremos, sem esforço, todos os de que vemos
dotados os Espíritos nos diferentes graus da escala espírita, o estado físico em que se encontram
nos mundos superiores, todas as propriedades do perispírito e os papéis que desempenham
nas coisas da Terra.
Vindo iluminar o mundo com a
sua divina luz, o Cristianismo não se propôs destruir uma coisa que está na
Natureza. Orientou, porém, a adoração para Aquele a quem é devida. Quanto aos Espíritos, a
lembrança deles se há perpetuado, conforme os povos, sob diversos nomes, e suas manifestações,
que nunca deixaram de produzir-se, foram interpretadas de maneiras diferentes e muitas
vezes exploradas sob o prestígio do mistério. Enquanto para a religião essas manifestações
eram fenômenos miraculosos, para os incrédulos sempre foram embustes. Hoje, mercê de um
estudo mais sério, feito à luz meridiana, o Espiritismo, escoimado das idéias
supersticiosas que o ensombraram durante séculos, nos revela um dos maiores e mais sublimes
princípios da Natureza.
Sacrifícios
669. Remonta à mais alta
antigüidade o uso dos sacrifícios humanos. Como se explica que o homem tenha
sido levado a crer que tais coisas pudessem agradar a Deus?
“Principalmente, porque não
compreendia Deus como sendo a fonte da bondade. Nos povos primitivos a
matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é
que, em geral, são cruéis; é que neles o senso moral, ainda não se acha desenvolvido. Em
segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada
muito mais valor, aos olhos de Deus, do que um corpo material. Foi isto que os levou a
imolarem, primeiro, animais e, mais tarde, homens. De conformidade com a falsa
crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância
da vítima. Na vida material, como geralmente a praticais, se houverdes de oferecer a
alguém um presente, escolhê-lo-eis sempre de tanto maior valor quanto mais afeto e
consideração quiserdes testemunhar a esse alguém. Assim tinha que ser, com relação a Deus, entre
homens ignorantes.”
a) - De modo que os
sacrifícios de animais precederam os sacrifícios humanos?
“Sobre isso não pode haver a
menor dúvida.”
b) - Então, de acordo com
a explicação que vindes de dar, não foi de um sentimento de crueldade que se
originaram os sacrifícios humanos?
“Não; originaram-se de uma
idéia errônea quanto à maneira de agradar a Deus. Considerai o que se deu com
Abraão. Com o correr dos tempos, os homens entraram a abusar dessas práticas,
imolando seus inimigos comuns, até mesmo seus inimigos particulares. Deus,
entretanto, nunca exigiu sacrifícios, nem de homens, nem, sequer, de animais. Não há como
imaginar-se que se Lhe possa prestar culto, mediante a destruição inútil de Suas criaturas.”
670. Dar-se-á que alguma
vez possam ter sido agradáveis a Deus os sacrifícios humanos praticados com
piedosa intenção?
“Não, nunca. Deus, porém,
julga pela intenção. Sendo ignorantes os homens, natural era que supusessem praticar
ato louvável imolando seus semelhantes. Nesses casos, Deus atentava unicamente na idéia
que presidia ao ato e não neste. À proporção que se foram melhorando, os homens
tiveram que reconhecer o erro em que laboravam e que reprovar tais sacrifícios, com que
não podiam conformar-se as idéias de Espíritos esclarecidos. Digo - esclarecidos, porque os
Espíritos tinham então a envolvê-los o véu material; mas, por meio do livre-arbítrio,
possível lhes era vislumbrar suas origens e fim, e muitos, por intuição, já compreendiam o
mal que praticavam, se bem que nem por isso deixassem de praticá-lo, para satisfazer
às suas paixões.”
671. Que devemos pensar
das chamadas guerras santas? O sentimento que impele os povos fanáticos, tendo
em vista agradar a Deus, a exterminarem o mais possível os que não partilham de suas
crenças, poderá equiparar-se, quanto à origem, ao sentimento que os excitava outrora a
sacrificarem seus semelhantes?
“São impelidos pelos maus
Espíritos e, fazendo a guerra aos seus semelhantes, contravêm à vontade de Deus, que manda ame cada um
o seu irmão, como a si mesmo. Todas as religiões, ou, antes, todos os povos adoram um
mesmo Deus, qualquer que seja o nome que lhe dêem. Por que então há de um fazer guerra
a outro, sob o fundamento de ser a religião deste diferente da sua, ou por não ter ainda
atingido o grau de progresso da dos povos cultos? Se são desculpáveis os povos de não
crerem na palavra daquele que o Espírito de Deus animava e que Deus enviou, sobretudo
os que não o viram e não lhe testemunharam os atos, como pretenderdes que creiam
nessa palavra de paz, quando lhes ides levá-la de espada em punho? Eles têm que ser
esclarecidos e devemos esforçar-nos por fazê-los conhecer a doutrina do Salvador,
mediante a persuasão e com brandura, nunca a ferro e fogo. Em vossa maioria, não acreditais nas
comunicações que temos com certos mortais; como quereríeis que estranhos acreditassem
na vossa palavra, quando desmentis com os atos a doutrina que pregais?”
672. A oferenda feita a
Deus, de frutos da terra, tinha a Seus olhos mais mérito do que o sacrifício dos
animais?
“Já vos respondi, declarando
que Deus julga segundo a intenção e que para Ele pouca importância tinha o
fato. Mais agradável evidentemente era a Deus que Lhe oferecessem frutos da terra,
em vez do sangue das vítimas. Como temos dito e sempre repetiremos, a prece
proferida do fundo da alma é cem vezes mais agradável a Deus do que todas as oferendas que lhe
possais fazer. Repito que a intenção é tudo, que o fato nada vale.”
673. Não seria um meio de
tornar essas oferendas agradáveis a Deus consagrá-las a minorar os sofrimentos
daqueles a quem falta o necessário e, neste caso, o sacrifício dos animais, praticado com
fim útil, não se tornaria meritório, ao passo que era abusivo quando para nada servia,
ou só aproveitava aos que de nada precisavam? Não haveria qualquer coisa de
verdadeiramente piedoso em consagrar-se aos pobres as primícias dos bens que Deus nos concede
na Terra?
“Deus abençoa sempre os que
fazem o bem. O melhor meio de honrá-Lo consiste em minorar os sofrimentos
dos pobres e dos aflitos. Não quero dizer com isto que Ele desaprove as cerimônias que
praticais para lhe dirigirdes as vossas preces. Muito dinheiro, porém, aí se gasta que
poderia ser empregado mais utilmente do que o é. Deus ama a simplicidade em tudo. O
homem que se atém às exterioridades e não ao coração é um Espírito de vistas
acanhadas. Dizei, em consciência, se Deus deve atender mais à forma do que ao fundo.”
CAPÍTULO III
DA LEI DO TRABALHO
1. Necessidade do trabalho. - 2. Limite do trabalho. Repouso.
Necessidade do trabalho
647. A necessidade do
trabalho é lei da Natureza?
“O trabalho é lei da
Natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a
trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.”
675. Por trabalho só se
devem entender as ocupações materiais?
“Não; o Espírito trabalha,
assim como o corpo. Toda ocupação útil é trabalho.”
676. Por que o trabalho
se impõe ao homem?
“Por ser uma conseqüência da
sua natureza corpórea. É expiação e, ao mesmo tempo, meio de
aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na
infância, quanto à inteligência. Por isso é que seu alimento, sua segurança e seu bem-estar
dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao extremamente fraco de corpo outorgou Deus
a inteligência, em compensação. Mas é sempre um trabalho.”
677. Por que provê a
Natureza, por si mesma, a todas as necessidades dos animais?
“Tudo em a Natureza
trabalha. Como tu, trabalham os animais, mas o trabalho deles, de acordo com a
inteligência de que dispõem, se limita a cuidarem da própria conservação. Daí vem que o
do homem visa duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da faculdade
de pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima de si mesmo. Quando digo que
o trabalho dos animais se cifra no cuidarem da própria conservação, refiro-me ao
objetivo com que trabalham. Entretanto, provendo às suas necessidades materiais, eles
se constituem, inconscientemente, executores dos desígnios do Criador e, assim, o trabalho
que executam também concorre para a realização do objetivo final da Natureza, se bem
quase nunca lhe descubrais o resultado imediato.”
678. Em os mundos mais
aperfeiçoados, os homens se acham submetidos à mesma necessidade de trabalhar?
“A natureza do trabalho está
em relação com a natureza das necessidades. Quanto menos materiais são estas,
menos material é o trabalho. Mas, não deduzais daí que o homem se conserve inativo e
inútil. A ociosidade seria um suplício, em vez de ser um benefício.”
679. Achar-se-á isento da
lei do trabalho o homem que possua bens suficientes para lhe assegurarem a
existência?
“Do trabalho material,
talvez; não, porém, da obrigação de tornar-se útil, conforme aos meios de que disponha,
nem de aperfeiçoar a sua inteligência ou a dos outros, o que também é trabalho. Aquele a
quem Deus facultou a posse de bens suficientes a lhe garantirem a existência não
está, é certo, constrangido a alimentar-se com o suor do seu rosto, mas tanto maior lhe é
a obrigação de ser útil aos seus semelhantes, quanto mais ocasiões de praticar o bem
lhe proporciona o adiantamento que lhe foi feito.”
680. Não há homens que se
encontram impossibilitados de trabalhar no que quer que seja e cuja
existência é, portanto, inútil?
“Deus é justo e, pois, só
condena aquele que voluntariamente tornou inútil a sua existência, porquanto esse
vive a expensas do trabalho dos outros. Ele quer que cada um seja útil, de acordo com as
suas faculdades.” (643)
681. A lei da Natureza
impõe aos filhos a obrigação de trabalharem para seus pais?
“Certamente, do mesmo modo
que os pais têm que trabalhar para seus filhos. Foi por isso que Deus fez do
amor filial e do amor paterno um sentimento natural. Foi para que, por essa afeição recíproca,
os membros de uma família se sentissem impelidos a ajudarem-se mutuamente, o que, aliás,
com muita freqüência se esquece na vossa sociedade atual.” (205)
Limite do trabalho.
Repouso
682. Sendo uma
necessidade para todo aquele que trabalha, o repouso não é também uma lei da
Natureza?
“Sem dúvida. O repouso serve
para a reparação das forças do corpo e também é necessário para dar um pouco
mais de liberdade à inteligência, a fim de que se eleve acima da matéria.”
683. Qual o limite do
trabalho?
“O das forças. Em suma, a
esse respeito Deus deixa inteiramente livre o homem.”
684. Que se deve pensar
dos que abusam de sua autoridade, impondo a seus inferiores excessivo
trabalho?
“Isso é uma das piores
ações. Todo aquele que tem o poder de mandar é responsável pelo excesso de trabalho que
imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo, transgride a lei de Deus.”
(273)
685. Tem o homem o
direito de repousar na velhice?
“Sim, que a nada é obrigado,
senão de acordo com as suas forças.”
a) - Mas, que há de fazer
o velho que precisa trabalhar para viver e não pode?
“O forte deve trabalhar para
o fraco. Não tendo este família, a sociedade deve fazer as vezes desta. É a lei de
caridade.”
Não basta se diga ao homem
que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua
existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando
se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a
miséria. A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o
consumo. Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre
intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver.
Há um elemento, que se não
costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria.
Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos
referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de
formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a
educação é o conjunto dos hábitos
adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da
população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar
as conseqüências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida,
compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para
consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos
que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a
imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o
ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.
CAPÍTULO IV
DA LEI DE REPRODUÇÃO
1. População do globo. -
2. Sucessão e aperfeiçoamento das raças. - 3. Obstáculos à reprodução. - 4.
Casamento e celibato. - 5. Poligamia.
População do globo
686. É lei da Natureza a
reprodução dos seres vivos?
“Evidentemente. Sem a
reprodução, o mundo corporal pereceria.”
687. Indo sempre a
população na progressão crescente que vemos, chegará tempo em que seja excessiva na
Terra?
“Não, Deus a isso provê e
mantém sempre o equilíbrio. Ele coisa alguma inútil faz. O homem, que apenas vê um
canto do quadro da Natureza, não pode julgar da harmonia do conjunto.”
Sucessão e
aperfeiçoamento das raças
688. Há, neste momento,
raças humanas que evidentemente decrescem. Virá momento em que terão
desaparecido da Terra?
“Assim acontecerá, de fato.
É que outras lhes terão tomado o lugar, como outras um dia tomarão o da vossa.”
689. Os homens atuais
formam uma criação nova, ou são descendentes aperfeiçoados dos seres
primitivos?
“São os mesmos Espíritos que
voltaram, para se aperfeiçoar em novos corpos, mas que ainda estão longe da
perfeição. Assim, a atual raça humana, que, pelo seu crescimento, tende a invadir toda a Terra
e a substituir as raças que se extinguem, terá sua fase de crescimento e de
desaparição. Substituí-la-ão outras raças mais aperfeiçoadas, que descenderão da atual, como
os homens civilizados de hoje descendem dos seres brutos e selvagens dos tempos
primitivos.”
690. Do ponto de vista
físico, são de criação especial os corpos da raça atual, ou procedem dos corpos
primitivos, mediante reprodução?
“A origem das raças se perde
na noite dos tempos. Mas, como pertencem todas à grande família humana,
qualquer que tenha sido o tronco de cada uma, elas puderam aliar-se entre si e produzir tipos
novos.”
691. Qual, do ponto de
vista físico, o caráter distintivo e dominante das raças primitivas?
“Desenvolvimento da força
bruta, à custa da força intelectual. Agora, dá-se o contrário: o homem faz mais
pela inteligência do que pela força do corpo. Todavia, faz cem vezes mais, porque soube
tirar proveito das forças da Natureza, o que não conseguem os animais.”
692. Será contrário à lei
da Natureza o aperfeiçoamento das raças animais e vegetais pela Ciência?
Seria mais conforme a essa lei deixar que as coisas seguissem seu curso normal?
“Tudo se deve fazer para
chegar à perfeição e o próprio homem é um instrumento de que Deus se serve para
atingir Seus fins. Sendo a perfeição a meta para que tende a Natureza, favorecer essa
perfeição é corresponder às vistas de Deus.”
a) - Mas, geralmente, os
esforços que o homem emprega para conseguir a melhoria das raças nascem de um
sentimento pessoal e não objetivam senão o acréscimo de seus gozos. Isto não lhe
diminui o mérito?
“Que importa seja nulo o seu
merecimento, desde que o progresso se realize? Cabe-lhe tornar meritório, pela
intenção, o seu trabalho. Demais, mediante esse trabalho, ele exercita e desenvolve a
inteligência e sob este aspecto é que maior proveito tira.”
Obstáculos à reprodução
693. São contrários à lei
da Natureza as leis e os costumes humanos que têm por fim ou por efeito criar
obstáculos à reprodução?
“Tudo o que embaraça a
Natureza em sua marcha é contrário à lei geral.”
a) - Entretanto, há
espécies de seres vivos, animais e plantas, cuja reprodução indefinida seria nociva a
outras espécies e das quais o próprio homem acabaria por ser vítima. Pratica ele ato
repreensível, impedindo essa reprodução?
“Deus concedeu ao homem,
sobre todos os seres vivos, um poder de que ele deve usar, sem abusar. Pode,
pois, regular a reprodução, de acordo com as necessidades. A ação inteligente do homem é um
contrapeso que Deus dispôs para restabelecer o equilíbrio entre as forças da Natureza e é
ainda isso o que o distingue dos animais, porque ele obra com conhecimento de causa. Mas,
os mesmos animais também concorrem para a existência desse equilíbrio, porquanto
o instinto de destruição que lhes foi dado faz com que, provendo à própria
conservação, obstem ao desenvolvimento excessivo, quiçá perigoso, das espécies animais e vegetais
de que se alimentam.”
694. Que se deve pensar
dos usos, cujo efeito consiste em obstar à reprodução, para satisfação da
sensualidade?
“Isso prova a predominância
do corpo sobre a alma e quanto o homem é material.”
Casamento e celibato
695. Será contrário à lei
da Natureza o casamento, isto é, a união permanente de dois seres?
“É um progresso na marcha da
Humanidade.”
696. Que efeito teria
sobre a sociedade humana a abolição do casamento?
“Seria uma regressão à vida
dos animais.”
O estado de natureza é o da
união livre e fortuita dos sexos. O casamento constitui um dos primeiros atos de
progresso nas sociedades humanas, porque estabelece a solidariedade fraterna e se
observa entre todos os povos, se bem que em condições diversas. A abolição do casamento
seria, pois, regredir à infância da Humanidade e colocaria o homem abaixo mesmo de certos
animais que lhe dão o exemplo de uniões constantes.
697. Está na lei da
Natureza, ou somente na lei humana, a indissolubilidade absoluta do casamento?
“É uma lei humana muito
contrária à da Natureza. Mas os homens podem modificar suas leis; só as da Natureza
são imutáveis.”
698. O celibato
voluntário representa um estado de perfeição meritório aos olhos de Deus?
“Não, e os que assim vivem,
por egoísmo, desagradam a Deus e enganam o mundo.”
699. Da parte de certas
pessoas, o celibato não será um sacrifício que fazem com o fim de se votarem, de
modo mais completo, ao serviço da Humanidade?
“Isso é muito diferente. Eu
disse: por egoísmo. Todo sacrifício pessoal é meritório, quando feito para o bem.
Quanto maior o sacrifício, tanto maior o mérito.”
Não é possível que Deus se
contradiga, nem que ache mau o que Ele próprio fez. Nenhum mérito, portanto,
pode haver na violação da Sua
lei. Mas, se o celibato, em si mesmo, não é um estado meritório, outro tanto não se dá quando
constitui, pela renúncia às alegrias da família, um sacrifício praticado em prol da
Humanidade. Todo sacrifício pessoal, tendo em vista o bem e sem qualquer idéia egoísta,
eleva o homem acima da sua condição material.
Poligamia
700. A igualdade
numérica, que mais ou menos existe entre os sexos, constitui indício da proporção em
que devam unir-se?
“Sim, porquanto tudo, em a
Natureza, tem um fim.”
701. Qual das duas, a
poligamia ou a monogamia, é mais conforme à lei da Natureza?
“A poligamia é lei humana
cuja abolição marca um progresso social. O casamento, segundo as vistas de Deus,
tem que se fundar na afeição dos seres que se unem. Na poligamia não há afeição
real: há apenas sensualidade.”
Se a poligamia fosse
conforme à lei da Natureza, devera ter possibilidade de tornar-se universal, o que seria
materialmente impossível, dada a igualdade numérica dos sexos.
Deve ser considerada como um
uso ou legislação especial apropriada a certos costumes e que o
aperfeiçoamento social fez que desaparecesse pouco a pouco.
CAPÍTULO V
DA LEI DE CONSERVAÇÃO
1. Instinto de
Conservação. - 2. Meios de conservação. - 3. Gozo dos bens terrenos. - 4. Necessário e
supérfluo. - 5. Privações voluntárias. Mortificações.
Instinto de Conservação
702. É lei da Natureza o
instinto de conservação?
“Sem dúvida. Todos os seres
vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é
puramente maquinal, raciocinado em outros.”
703. Com que fim outorgou
Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação?
“Porque todos têm que
concorrer para cumprimento dos desígnios da Providência. Por isso foi que Deus lhes
deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres.
Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem.”
Meios de conservação
704. Tendo dado ao homem
a necessidade de viver, Deus lhe facultou, em todos os tempos, os meios de o
conseguir?
“Certo, e se ele os não
encontra, é que não os compreende. Não fora possível que Deus criasse para o homem a
necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo. Essa a razão por que faz que
a Terra produza de modo a proporcionar
o necessário aos que a habitam, visto que só o necessário é útil. O supérfluo nunca o
é.”
705. Por que nem sempre a
terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário?
“É que, ingrato, o homem a
despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a
Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra
produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que
ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ela emprega no supérfluo o que
poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto. Acha sempre de que viver,
porque não cria para si necessidades factícias. Desde que haja desperdiçado a metade dos
produtos em satisfazer a fantasias, que motivos tem o homem para se espantar de nada
encontrar no dia seguinte e para se queixar de estar desprovido de tudo, quando chegam os dias
de penúria? Em verdade vos digo, imprevidente não é a Natureza, é o homem, que não
sabe regrar o seu viver.”
706. Por bens da Terra
unicamente se devem entender os produtos do solo?
“O solo é a fonte primacial
donde dimanam todos os outros recursos, pois que, em definitiva, estes recursos
são simples transformações dos produtos do solo. Por bens da Terra se deve, pois,
entender tudo de que o homem pode gozar neste mundo.”
707. É freqüente a certos
indivíduos faltarem os meios de subsistência, ainda quando os cerca a
abundância. A que se deve atribuir isso?
“Ao egoísmo dos homens, que
nem sempre fazem o que lhes cumpre. Depois e as mais das vezes, devem-no a
si mesmos. Buscai e achareis; estas palavras não querem dizer que, para achar o que
deseje, basta que o homem olhe para a terra, mas que
lhe é preciso procurá-lo, não com indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar
ante os obstáculos, que muito amiúde são simples meios de que se utiliza a
Providência, para lhe experimentar a constância, a paciência e a firmeza.” (534)
Se é certo que a Civilização
multiplica as necessidades, também o é que multiplica as fontes de trabalho e os
meios de viver. Forçoso, porém, é convir em que, a tal respeito, muito ainda lhe resta fazer.
quando ela houver concluído a sua obra, ninguém deverá haver que possa queixar-se de lhe
faltar o necessário, a não ser por própria culpa. A desgraça, para muitos, provém de
inveredarem por uma senda diversa da que a Natureza lhes traça. É então que lhes falece a
inteligência para o bom êxito. Para todos há lugar ao Sol, mas com a condição de que cada um
ocupe o seu e não o dos outros. A Natureza não pode ser responsável pelos defeitos
da organização social, nem pelas conseqüências da ambição e do amor-próprio.
Fora preciso, entretanto,
ser-se cego, para se não reconhecer o progresso que, por esse lado, têm feito os
povos mais adiantados. Graças aos louváveis esforços que, juntas, a Filantropia e a Ciência não
cessam de despender para melhorar a condição material dos homens e mau grado ao
crescimento incessante das populações, a insuficiência da produção se acha atenuada, pelo menos
em grande parte, e os anos mais calamitosos do presente não se podem de modo algum
comparar aos de outrora. A higiene pública, elemento tão essencial da força e da
saúde, a higiene pública, que nossos pais não conheceram, é objeto de esclarecida solicitude. O
infortúnio e o sofrimento encontram onde se refugiem. Por toda parte a Ciência contribui
para acrescer o bem-estar. Poder-se-á dizer que já se haja chegado à perfeição? Oh! Não,
certamente; mas, o que já se fez deixa prever o que, com perseverança, se logrará
conseguir, se o homem se mostrar bastante avisado para procurar a sua felicidade nas coisas
positivas e sérias e não em utopias que o levam a recuar em vez de fazê-lo avançar.
708. Não há situações em
as quais os meios de subsistência de maneira alguma dependem da vontade do
homem, sendo-lhe a privação do de que mais imperiosamente necessita uma
conseqüência da força mesma das coisas?
“É isso uma prova, muitas
vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele de antemão que viria a estar
exposto. Seu mérito então consiste em submeter-se à vontade de Deus, desde que a sua
inteligência nenhum meio lhe faculta de sair da dificuldade. Se a morte vier colhê-lo,
cumpre-lhe recebê-la sem murmurar, ponderando que a hora da verdadeira libertação soou
e que o desespero no derradeiro momento pode ocasionar-lhe a perda do fruto de toda a
sua resignação. ”
709. Terão cometido crime
os que, em certas situações críticas, se viram na contingência de
sacrificar seus semelhantes, para matar a fome? Se houve crime, não teve este a atenuá-lo a
necessidade de viver, que resulta do instinto de conservação?
“Já respondi, quando disse
que há mais merecimento em sofrer todas as provações da vida com coragem e
abnegação. Em tal caso, há homicídio e crime de lesa-natureza, falta que é duplamente punida.”
710. Nos mundos de mais
apurada organização, têm os seres vivos necessidade de alimentar-se?
“Têm, mas seus alimentos
estão em relação com a sua natureza. Tais alimentos não seriam bastante
substanciosos para os vossos estômagos grosseiros; assim como os deles não poderiam digerir os
vossos alimentos.”
Gozo dos bens terrenos
711. O uso dos bens da
Terra é um direito de todos os homens?
“Esse direito é conseqüente
da necessidade de viver. Deus não imporia um dever sem dar ao homem o meio de
cumpri-lo.”
712. Com que fim pôs Deus
atrativos no gozo dos bens materiais?
“Para instigar o homem ao
cumprimento da sua missão e para experimentá-lo por meio da tentação.”
a) - Qual o objetivo
dessa tentação?
“Desenvolver-lhe a razão,
que deve preservá-lo dos excessos.”
Se o homem só fosse
instigado a usar dos bens terrenos pela utilidade que têm, sua indiferença houvera talvez
comprometido a harmonia do Universo. Deus imprimiu a esse uso o atrativo do prazer,
porque assim é o homem impelido ao cumprimento dos desígnios providenciais. Mas, além
disso, dando àquele uso esse atrativo, quis Deus também experimentar o homem por
meio da tentação, que o arrasta para o abuso, de que deve a razão defendê-lo.
713. Traçou a Natureza
limites aos gozos?
“Traçou, para vos indicar o
limite do necessário. Mas, pelos vossos excessos, chegais à saciedade e vos
punis a vós mesmos.”
714. Que se deve pensar
do homem que procura nos excessos de todo gênero o requinte dos gozos?
“Pobre criatura! Mais digna
é de lástima que de inveja, pois bem perto está da morte!”
a) - Perto da morte
física, ou da morte moral?
“De ambas.”
O homem, que procura nos
excessos de todo gênero o requinte do gozo, coloca-se abaixo do bruto, pois que
este sabe deter-se, quando satisfeita a sua necessidade, Abdica da razão que Deus lhe deu por
guia e quanto maiores forem seus excessos, tanto maior preponderância confere ele à
sua natureza animal sobre a sua natureza espiritual. As doenças, são, ao mesmo
tempo, o castigo à transgressão da lei de Deus.
NOTA:(1) Resposta dada pelo Sr. Monod (Espírito), pastor protestante em
Paris, morto em abril de 1856. A resposta anterior, n° 664, é do Espírito
São Luís.