Parte Segunda
Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos
CAPÍTULO II
DA ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS
Materialismo
148. Não é de lastimar que o materialismo seja uma conseqüência de
estudos que deveriam, contrariamente, mostrar ao homem a superioridade da
inteligência que governa o mundo? Deve-se daí concluir que são perigosos?
“Não é exato que o materialismo seja uma conseqüência desses estudos. O
homem é que deles tira uma conseqüência falsa, pela razão de lhe ser dado
abusar de tudo, mesmo das melhores coisas. Acresce que o nada os amedronta
mais do que eles quereriam que parecesse, e os espíritos fortes, quase
sempre, são antes fanfarrões do que bravos. Na sua maioria, só são
materialistas porque não têm com que encher o vazio do abismo que diante
deles se abre. Mostrai-lhes uma âncora da salvação e a ela se agarrarão
pressurosamente.”
A.K.: Por uma aberração da inteligência, pessoas há que só vêem nos
seres orgânicos a ação da matéria e a esta atribuem todos os nossos atos.
No corpo humano apenas vêem a máquina elétrica; somente pelo funcionamento
dos órgãos estudaram o mecanismo da vida, cuja repetida extinção
observaram, por efeito da ruptura de um fio, e nada mais enxergaram além
desse fio. Procuraram saber se alguma coisa restava e, como nada acharam
senão matéria, que se tornara inerte, como não viram a alma escapar-se,
como não a puderam apanhar, concluíram que tudo se continha nas
propriedades da matéria e que, portanto, à morte se seguia a aniquilação
do pensamento. Triste conseqüência, se fora real, porque então o bem e o
mal nada significariam, o homem teria razão para só pensar em si e para
colocar acima de tudo a satisfação de seus apetites materiais; quebrados
estariam os laços sociais e as mais santas afeições se romperiam para
sempre. Felizmente, longe estão de ser gerais semelhantes idéias, que se
podem mesmo ter por muito circunscritas, constituindo apenas opiniões
individuais, pois que em parte alguma ainda formaram doutrina.. Uma
sociedade que se fundasse sobre tais bases traria em si o gérmen de sua
dissolução e seus membros se entredevorariam como animais ferozes.
O homem tem, instintivamente, a convicção de que nem tudo se lhe
acaba com a vida. O nada lhe infunde horror. É em vão que se obstina
contra a idéia da vida futura. Ao soar o momento supremo, poucos são os
que não inquirem do que vai ser deles, porque a idéia de deixar a vida
para sempre algo oferece de pungente. Quem, de fato, poderia encarar com
indiferença uma separação absoluta, eterna, de tudo o que foi objeto de
seu amor? Quem poderia ver, sem terror, abrir-se diante si o imensurável
abismo do nada, onde se sepultassem para sempre todas as suas faculdades,
todas as suas esperanças, e dizer a si mesmo: Pois que! depois de mim,
nada, nada mais, senão o vácuo, tudo definitivamente acabado; mais alguns
dias e a minha lembrança se terá acabado; mais alguns dias e a minha
lembrança se terá apagado da memória dos que me sobreviverem; nenhum
vestígio dentre em pouco, restará da minha passagem pela Terra; até mesmo
o bem que fiz será esquecido pelos ingratos a quem beneficiei. E nada,
para compensar tudo isto, nenhuma outra perspectiva, além da do meu corpo
roído pelos vermes!
Não tem este quadro alguma coisa de horrível, de glacial? A religião
ensina que não pode ser assim e a razão no-lo confirma. Mas, uma
existência futura, vaga e indefinida não apresenta o que satisfaça ao
nosso desejo do positivo. Essa, em muitos, a origem da dúvida. Possuímos
alma, está bem; mas, que é a nossa alma? Tem forma, uma aparência
qualquer?É um ser limitado, ou indefinido? Dizem alguns que é um sopro de
Deus, outros uma centelha, outros uma parcela do grande Todo, o princípio
da vida e da inteligência. Que é, porém, o que de tudo isto ficamos
sabendo? Que nos importa ter uma alma, se, extinguindo-se-nos a vida, ela
desaparece na imensidade, como as gotas d’água no Oceano? A perda da nossa
individualidade não equivale, para nós, ao nada? Diz-se também que a alma
é imaterial. Ora, uma coisa imaterial carece de proporções determinadas.
Desde então, nada é, para nós. A religião ainda nos ensina que seremos
felizes ou desgraçados, conforme ao bem ou ao mal que houvermos feito. Que
vem a ser, porém, essa felicidade que nos aguarda no seio de Deus? Será
uma beatitude, uma contemplação eterna, sem outra ocupação mais do que
entoar louvores ao Criador? As chamas do inferno serão uma realidade ou um
símbolo? A própria Igreja lhes dá esta última
significação; mas, então, que são aqueles sofrimentos? Onde esse lugar do
suplício? Numa palavra, que é o que se faz, que é o que se vê, nesse outro
mundo que a todos nos espera? Dizem que ninguém jamais voltou de lá para
nos dar informações.
É erro dizê-lo e a missão do Espiritismo consiste precisamente em
nos esclarecer acerca desse futuro, em fazer com que, até certo ponto, o
toquemos com o dedo e o penetremos com o olhar, não mais pelo raciocínio
somente, porém, pelos fatos. Graças às comunicações espíritas, não se
trata mais de uma simples presunção, de uma probabilidade sobre a qual
cada um conjeture à vontade, que os poetas embelezem com suas ficções, ou
cumulem de enganadoras imagens alegóricas. É a realidade que nos aparece,
pois que são os próprios seres de além-túmulo que nos vêm escrever a
situação em que se acham, relatar o que fazem, facultando-nos assistir,
por assim dizer a todas as peripécias da nova vida que lá vivem e
mostrando-nos, por esse meio, a sorte inevitável que nos está reservada,
de acordo com os nossos méritos e deméritos. Haverá nisso alguma coisa de
anti-religioso? Muito ao contrário, porquanto os incrédulos encontram aí a
fé e os tíbios a renovação do fervor e da confiança. O Espiritismo é,
pois, o mais potente auxiliar da religião. Se ele aí está, é porque Deus o
permite e o permite para que as nossas vacilantes esperanças se revigorem
e para que sejamos reconduzidos à senda do bem pela perspectiva do futuro.
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COMENTÁRIO DO ESPÍRITO MIRAMEZ NA OBRA “FILOSOFIA ESPÍRITA”
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